Vital Brazil Mineiro de Campanha

22/06/2011 22:14

 

 

Dr. Vital Brazil

 

De uma longa e gloriosa existência, toda ela dedicada ao bem da Humanidade, extraímos uns poucos episódios e referências que aqui intitulamos como "Traços Biográficos". Em verdade, a grandeza do homem e do cientista que foi Vital Brazil, jamais poderá ser dimensionada na justa medida de seus elevados méritos. 
Uma lição de civismo que serve para mostrar, aos nossos jovens patrícios, o quanto se deve esperar do poder da vontade.              Emílio Ribas 
Aos 28 dias do mês de abril de 1865, quando o calendário assinalava o dia de São Vital, nascia na cidade de Campanha, no sul de Minas Gerais, aquele que se chamaria, para maior glória da ciência brasileira, Vital Brazil Mineiro da Campanha. Seus pais, D. Maria Xavier de Magalhães (prima de Joaquim José da Silva Xavier - O Tiradentes) e o Sr. Manoel dos Santos Pereira, resolveram, de comum acordo, batizá-la em homenagem ao santo (Vital), à Pátria (Brazil), ao Estado (Mineiro) e à cidade Natal (Campanha), tal como já haviam feito com outros filhos. 
Aos três anos de idade, em companhia de seus pais, transferiu-se da cidade de Campanha para Itajubá; e dali, pouco depois, rumava para Caldas, onde concluiu seu curso primário. Menino ainda, trabalhou como gráfico no jornal "O Caldense", para logo depois, com a mudança de sua família para o Estado de São Paulo, continuar trabalhando na imprensa, já então como revisor de "A Imprensa Evangélica". Sendo de família pobre, Vital Brazil trabalhava não só para ajudar aos pais, mas também para custear seus estudos, pois pretendia deixar aquele emprego no jornal. 
Face às dificuldades financeiras. exerceu as mais variadas profissões; trabalhou, depois, como condutor de bonde (puxado a burros) da Companhia de Viação Brasileira; foi contínuo na Estrada de Ferro Rio Pardo e, mais tarde, auxiliar de engenheiro na Estrada de Ferro Mogiana. Jamais se deixou abater pelos que alegavam: "quem é pobre não deve estudar". A esses derrotistas, Vital Brazil respondia que o Brasil ainda lhe ouviria o nome. 
O futuro de nossa pátria será dos mais brilhantes, se a mocidade que ela educa seguir o exemplo de Vital Brazil...              Ernílio Ribas 
Com a idade de 15 anos, concluindo o Curso de Humanidades, feito de 1880 a 1885 na capital de São Paulo, transferiu-se para o Rio de Janeiro, a fim de fazer o curso de Medicina, pois sentia ser sua verdadeira vocação. Para custear os estudos, Vital Brazil trabalhou como regente de internato e como escrivão da Polícia do Estado. No ano de 1891, com a idade de 26 anos, Vital Brazil terminou o curso médico. Durante este curso, submeteu-se a concurso, logrando classificar-se como preparador da Cadeira de Fisiologia.
Em 1892, colou grau de doutor em medicina, defendendo a tese: "Função do Baço". 
Clinicou durante alguns anos na cidade de Botucatu, Estado de São Paulo, tendo oportunidade de observar vários acidentes causados por cobras venenosas, o que, de certo modo, pela maneira como o impressionou, acabou exercendo profunda influência em sua futura vida de cientista. No período em que atuou como clínico, chefiou a Comissão Sanitária em Cachoeira, no vale do Paraíba, trabalhando eficazmente em epidemias de febre amarela, varíola e cólera-morbus. Em 1897, abandonou a carreira de clínico e retornou às atividades de laboratório, ao aceitar o convite de Adolfo Lutz, para o cargo de seu assistente no Instituto Bacteriológico de São Paulo. Integrado ao ambiente em que se sentia profundamente vinculado, por sua notória vocação, realizou seus primeiros estudos sobre as cobras e suas propriedades venenosas. No ano seguinte, em relatório apresentado ao notável cientista Dr. Adolfo Lutz, apareciam os primeiros resultados das pesquisas feitas por Vital Brazil, sendo, então iniciado marcante trabalho para o Brasil e para o mundo. 
Não sei a quem mais admirar, se o homem que investiga ou se a natureza que se recusa em se deixar despojar de seus segredos.              Torrend 
Com o surto de peste bubônica na cidade de Santos, em 1899, Vital Brazil foi comissionado para organizar as medidas necessárias e debelar o mal, ficando assim afastado dos estudos e pesquisas que vinha realizando. Por infelicidade, contraiu o mal levantino que lhe ameaçou seriamente a vida. 
Dada a dificuldade de obtenção do soro anti-pestoso, resolveu o Governo do Estado de S. Paulo criar um Instituto Soroterápico para sua fabricação, sendo designados para organizá-lo o cientista Dr. Emílio Ribas, chefe do Serviço Sanitário de São Paulo, e os três grandes vultos da ciência brasileira: Oswaldo Cruz, Adolfo Lutz e Vital Brazil. 
Em 24 de novembro de 1899, nasceu o Instituto Butantã, situado a cerca de 9 quilômetros do centro da capital de S. Paulo, funcionando os laboratórios em velho estábulo, no qual faziam a ordenha. Em 23 de fevereiro de 1901, o Presidente Francisco de Paula Rodrigues Alves, pelo Decreto nº 878-A, dava organização oficial ao Instituto Butantã, nomeando Vital Brazil seu diretor. Pouco depois, em 11 de junho de 1901, eram entregues ao público as primeiras doses de soro anti-pestoso. Ainda no mesmo ano, em 14 de agosto, concluía a fabricação de soros antiofídicos. Pesquisas beneditinas lhe mostraram diferenças fisiológicas entre os venenos das serpentes, evidenciando também que, em nosso meio, não era eficaz o soro contra a serpente da Índia, a famosa "Najanaja", descoberto em 1894 por "Calmett", uma das glórias da ciência francesa. Em 1º de dezembro de 1901, na Escola de Farmácia de São Paulo, Vital Brazil pronuncia memorável conferência intitulada "Envenenamento ofídico e seu tratamento", na qual descreve, com minúcias, os envenenamentos crotálico e botrópico, diferenciando-os distintamente. Pela primeira vez, no Butantã, comunica-se o uso do soro específico em um homem picado por jararaca. 
Em 28 de junho de 1903, Vital Brazil recebe a primeira consagração no "5º Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia", reunido no Rio de Janeiro, quando demonstrou que a única arma para combater o envenenamento ofídico era o soro específico descoberto por ele. Ao apresentar oficialmente o soro por ele produzido, Vital Brazil utilizou na prova 4 pombos, os quais haviam recebido doses mortais de veneno ofídico. Em dois pombos foram administradas doses de soro anti-ofídico, ficando os outros dois, que não receberam o referido soro, como testemunhas. Ainda não estava finda a experiência, os quatro pombos permaneciam deitados. Cientistas e médicos começaram a duvidar do êxito da prova, até que a um simples grito de Vital Brazil, assustaram-se dois pombos, que saíram voando!... Os outros dois, que não haviam recebido o soro, estavam mortos. Todos os congressistas o aclamaram e pediram ao Governo Federal a concessão de um premio, pela descoberta que então salvaria milhares de vidas preciosas; 2.000 a 3.000 por ano, naquela época, isto só no Estado de São Paulo. O Governo Federal premiou-o e o Governo de São Paulo comissionou-o para uma viagem de estudos à Europa, para apresentação de seus trabalhos. 
Herdeiro das tradições de Pasteur, coube-lhe o cognome de "O Pasteur Brasileiro".              Mello Ramos
            Em 1905, Vital Brazil regressou da Europa, entregando-se aos estudos de novos métodos de fabricação do soro anti-ofídico. Nessa época, começou a pesquisar novos aspectos da soroterapia e iniciou a produção do soro anti-diftérico. Depois de uma publicação sobre ofilogia, que despertou o mais vivo interesse, Vital Brazil propôs ao governo a construção, em moldes técnicos, de uma nova instituição para aquela finalidade. Nesse mesmo ano, recebeu a contribuição de Bruno Rangel Pestana, que então desenvolvia estudos sobre o preparo da Tuberculina. No VI Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia, em São Paulo, Vital Brazil apresentou o primeiro trabalho nacional sobre escorpiões. 
Em 1906, demonstrou a existência, em São Paulo, da doença chamada "mal de cadeira" do gado cavalar, causada por um vírus. No período compreendido entre os anos de 1906 a 1919, fêz inúmeras descobertas no campo da parasitologia, soroterapia e herpetologia, inclusive produzindo muitos trabalhos a respeito dos hábitos das cobras. Realizou ainda estudos sobre disenterias, triatomas, formação do berne, biologia da mosca doméstica, envenenamento por escorpião e aranhas, estudos sobre estreptococos e estafilococos, além da preparação de tuberculina e outras vacinas. Em 1910, Vital Brazil surpreendeu a inimizade natural da "muçurana" para com as cobras venenosas, provando com segurança o seu valor na profilaxia do ofidismo ao lado de outros animais ofiófagos. Nesse mesmo ano, o Presidente Dr. Albuquerque Lins ordenou a construção do Instituto Butantã, sob a direção do engenheiro sanitarista Mauro Álvaro.  
Em 1911, o Instituto Butantã despertou a atenção do mundo científico pelos seus trabalhos apresentados na "Exposição Internacional de Higiene", em Dresden, na Alemanha. Em 1913, Vital Brazil fundou com Arnaldo Vieira de Carvalho e Diogo de Faria, a revista - "Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia". Em 1914, foi traduzida para o francês a obra de Vital Brazil - "Defesa contra o ofidismo". Nesta mesma época, nova viagem à Europa, para novos estudos e observações. Com a conflagração da 1ª Guerra Mundial, estando ele em Berlim, foi obrigado a interromper os estudos e deixar imediatamente a Europa. Vencendo as maiores dificuldades. Em 1915, foi convidado pela "Carnegie Endowment of Peace" para representar o nosso país no Congresso Científico Pan Americano. em Washington, programado para o mês de dezembro. Durante o Congresso. como fora comissionado pelo Governo de São Paulo, Vital Brazil apresentou memória e material referente ao soro de sua descoberta. No entanto, com essa apresentação sobre ofidismo, conseguiu despertar mais curiosidade do que interesse científico. Um feliz acaso possibilitou-lhe a oportunidade de projetar-se em todo o mundo, através de um fato que repercutiu extraordinariamente em toda a sociedade americana. Vale a pena abrir-lhe aspas, agora: "De volta de Washington, depois de encerrado o Congresso, o Dr. Vital Brazil foi procurado pelo Dr. Ditmars, diretor da seção de répteis do Jardim Zoológico de Bronx Park que, a conselho do cientista japonês -Hideyo Noguchi. vinha pedir-lhe que salvasse um empregado daquele jardim. mordido há 36 horas por uma terrível serpente venenosa do Texas (Crotalus Atrox). No caminho. Ditmars narrou a Vital Brazil que o pobre empregado do Bronx Park já estava praticamente à morte. Êle, Ditmars, aplicara todos os recursos, inclusive cirúrgicos; tinha até mesmo aplicado o soro de Calmett, para salvá-lo, mas sem resultado, enquanto o envenenamento prosseguia. Acidentalmente, Ditmars contou que havendo visitado várias celebridades mundiais que se encontravam em New York, de volta do Congresso de Washington, ouviu do cientista Noguchi, o mais famoso dos cientistas japoneses, as seguintes palavras: Procure imediatamente um médico brasileiro que deve encontrar-se hospedado num dos hotéis da cidade. Creio que se chama Vital Brazil. É um grande cientista e o único homem no mundo capaz de salvar o seu empregado. Vital Brazil, ao examinar o doente, aconselhou aplicação imediata do soro anticrotálico, depois de ter avisado aos médicos assistentes de que o resultado não poderia ser garantido, por não ter ainda experimentado o referido soro naquele tipo de envenenamento. A ação do soro específico não se fez esperar. Seis horas após a sua aplicação, o doente começou a melhorar, sendo considerado livre do perigo num período de 12 horas a partir da aplicação do soro. A repercussão foi imensa; os meios médicos americanos e os jornais de New York anunciaram espetacularmente o milagre realizado pelo cientista brasileiro. 
Aprendi que só o trabalho realizado com amor, dedicação e perseverança é construtivo e que o ódio nada constrói.              Vital Brazil 
Em 1918, em trágico surto de "Gripe Espanhola", o Serviço Sanitário interveio no Instituto Butantã, então em desarmonia de pontos de vista com seu austero diretor, que, por esse motivo, se afastou de sua direção. Magoado com a ingratidão do Governo, Vital Brazil deixou a direção daquele Instituto, em companhia de seus assistentes: Dorival de Camargo Penteado, Otávio Veiga, Arlindo de Assis e mais tarde, J. Crissiuma de Toledo. Assim, em julho de 1919, fundou em Niterói, um Instituto de Higiene, Soroterapia e Veterinária, instalado provisoriamente num prédio da Rua Gavião Peixoto. Transferido mais tarde para os terrenos de Olaria, instalou-se definitivamente o Instituto Vital Brazil. De 1919 a 1924, Vital Brazil dirigiu esta Instituição; em 1924, florescia a pesquisa no novo Instituto Vital Brazil, quando o Governo do Estado de São Paulo, Carlos de Campos, apreensivo com a situação técnica e administrativa do Butantã, apelou para seu fundador e antigo diretor. Reempossado no Butantã, Vital Brazil promoveu seu retorno ao esplendor antigo, com extraordinário surto na pesquisa, ressaltando-se dentre numerosos outros trabalhos sobre biologia e patologia - "A Defesa contra a Mosca", em 1926. Com a valiosa colaboração de J. Vellar, foram desenvolvidos estudos sobre o veneno de escorpião e de aranha, resultando na preparação dos respectivos soros. 
Em 1927, nova crise afastou definitivamente Vital Brazil do Instituto Butantã, por motivos de política administrativa nesta Instituição. Entretanto, desta vez, cresce rapidamente uma calorosa onda de solidariedade em torno da nobre figura, repercutindo em todo o mundo, até nas mais altas esferas da ciência universal. Prosseguindo seus trabalhos no Instituto Vital Brazil, em Niterói, Vital Brazil fundou mais dois órgãos de divulgação científica: "Boletim do Instituto Vital Brazil" e "Biologia Médica". 
Em 2 de novembro de 1936, Gustavo Lessa, juntamente com seleto grupo de homens da elite intelectual de nosso país, pertencentes a várias profissões, resolveram reeditar a homenagem de "O Jornal" do Rio de Janeiro em 24 de novembro de 1928, ao eminente sábio brasileiro, coincidindo com o vigésimo nono aniversário da primeira entrada de Vital Brazil na fazenda de Butantã, onde em pequeno rancho instalaria um laboratório de pesquisas que, com o correr do tempo, se tornaria um dos mais afamados Institutos Científicos da América do Sul. Reeditaram-na de maneira brilhante, reimprimindo o esboço biográfico e as opiniões abalizadas de alguns dos maiores biologistas do mundo, sobre sua obra de ciência e humanidade, e por meio de mensagens surgiram pronunciamentos de: Ernest Bresslau - Diretor do Instituto de Zoologia da famosa Universidade de Colônia, na Alemanha; Emílio Brumpt - Prof. de Parasitologia da Faculdade de Medicina de Paris; A Calmett - Vice-Diretor do Instituto Pasteur de Paris, e descobridor da soroterapia anti-ofídica; Simon Flexner - Diretor do Instituto Rockefeller, sediado em Nova York, notável autoridade em assuntos de imunologia e bacteriologia; F. Fulleborn - Prof. do Inst. de Doenças Tropicais de Hamburgo, um dos maiores helmintologistas de todos os tempos; B. Houssay - Diretor do Instituto de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Buenos Aires; Rudolf Kraus - Diretor do Instituto Soroterápico de Viena; Th. Madsen - Diretor do Instituto Soroterápico de Copenhague, figura de relevo no Comité da Liga das Nações; E. Marchoux - Velho sábio do Instituto Pasteur e grande admirador de Vital Brazil; Charles Martin - Diretor do Instituto Lister, de Londres, equivalente, em repututação mundial, ao Pasteur de Paris; e E. Imbeaux - Francês; sábio higienista, escritor e poeta, dedicou um poema ao criador do Instituto Butantã. 
Muitas foram as homenagens prestadas a Vital Brasil, destacando-se a inscrição do seu nome no Livro de Mérito, por Decreto Federal do ano de 1942. Também digna de destaque é a homenagem que lhe prestou o Governo do Estado de São Paulo, em 1948; quando da inauguração de seu busto e do Pavilhão Vital Brazil, no Instituto Butantã. Por ocasião da referida homenagem, Vital Brazil, em resposta às palavras do Sr. José Queiroz Guimarães, disse, entre outras coisas: "não há maior recompensa do que a consciência de ter feito o bem".  
Vital Brazil era ainda titular da Academia Nacional de Medicina e membro honorário do Instituto Brasileiro de História da Medicina. Sobre ele afirmou o Sr. Hamilton Nogueira: "A obra científica de Vital Brazil é uma dessas obras que não somente elevam quem a realizou. como também dignificam a cultura br