Pródomos do Ensino Médico no Brasil

22/06/2011 23:12
Pródromos do Ensino Médico no Brasil
 Algumas das Antecipações de Pernambuco. [1]
 
                                               Geraldo Pereira[2]
                                                                          pereira@elogica.com.br
 
        Ao que se sabe, a tirar pela literatura especializada, sobretudo pela leitura da obra de Gilberto Freyre e pelo que escreveu Manoel Correia de Andrade, Portugal decepcionou-se, quase se pode dizer, com o Brasil, onde esperava encontrar muita riqueza em especiarias ou em pedras preciosas. Um México ou um Peru. É de Manoel Correia de Andrade o comentário de que a descoberta não trouxe à coroa grande satisfação, haja vista a imensidão do território, sem organização alguma, pouco habitado, o que impedia o descobridor de fazer como tinha feito na Índia: um verdadeiro saque. Só assumiu mesmo o domínio e tomou providências quanto ao governo da Colônia, quando notou o interesse estrangeiro pelas terras. Sendo assim, foi debalde o esforço que fez o Padre Marçal Beliarte, propondo, como propôs diretamente ao Rei, a criação de uma universidade no Brasil, no século XVI ainda. Uma universidade no mato? Foi o que indagaram! Ou foi o que responderam! É de Vamireh Chacon, pernambucano ilustre, a intervenção adiante transcrita, apresentada em solenidade da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, quando de uma homenagem ao padre Henrique Cláudio de Lima Vaz S.J.:
 
        Em 1583, o provincial da Companhia de Jesus no Brasil, Pe. Marçal Beliarte, reivindicava, em Roma e Lisboa, o reconhecimento do Colégio da Bahia como Universidade, pedido recusado por parecer de Coimbra, "pelo prejuízo que resultava a esta Universidade". As seguintes tentativas continuaram inúteis.
        A fórmula de conciliação terminou sendo a concessão de todas as prerrogativas ao Colégio da Bahia, "com o direito régio de conferir graus acadêmicos, só não logrando receber de universidade o título". Na realidade, continuava o respeito ao colégio medieval, ainda hoje constituindo a subdivisão básica das universidades anglófonas, como se vê em Oxford ou Cambridge, na Inglaterra, nos Estados Unidos, o cerne de Harvard e Columbia prossegue seus "colleges". Em Paris, o Colégio da França, Collége de France, significa até uma supra-universidade. A perda dessa tradição medieval em outras culturas, embora ainda intacta nas universidades anglófonas, resulta em dificuldade em entendê-la.
        O principal colégio jesuíta em Portugal, no sentido de "college" medieval, foi o Colégio das Artes, integrado à anterior Universidade de Coimbra; universidade propriamente jesuítica na Península Ibérica, foi, esta sim, a Universidade de Évora, fechada, após 200 anos de funcionamento, pelo Marquês de Pombal, quando da proibição da Companhia de Jesus, no século XVIII. A Universidade de Évora foi reinstituída 100 anos depois, em fins do século XX, como universidade laica, pública, estatal.
 
        A verdade é que o desenvolvimento, à época, tropeçava na rigidez religiosa que imperava. Em Portugal, sobretudo, e menos nos outros paises. O Santo Ofício cuidava em freiar as novas formas de pensamento, inibindo qualquer movimento que pudesse acrescentar-se ao saber científico. A questão foi ainda mais agravada diante da Reforma e dos esforços da Contra-Reforma, quando se rejeitava, com a maior facilidade, as descobertas nascidas entre os protestantes. Assim foi com os médicos holandeses que estiveram em Pernambuco, acompanhando Mauricio de Nassau e que tiveram o grande mérito de aprender com o gentio as chamadas meizinhas, indicando-as como forma de tratamento escolhido, confrontando as recomendações da Farmacopéia de Edimburgo. Guilherme Piso e Georg Marckgrave foram censurados, severamente, pela medicina portuguesa e nada se usou no Brasil a partir desses estudos, como está em Geraldo Pereira.
 
        Esse rigor religioso era tão exacerbado, mas tão exacerbado, que se exigia dos enfermos, antes do atendimento médico, fossem abençoados com o sacramento da confissão e recebessem a comunhão. Sem isso, não seria possível o exame clínico e a instituição da terapêutica adequada. O profissional da medicina, de igual forma, estava proibido de prestar socorro àqueles que se negassem a receber os já comentados sacramentos. As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, ordenadas por D. Sebastião Monteiro da Vide, ameaçavam de excomunhão o médico ou o cirurgião que não seguisse à risca as determinações ali estabelecidas. A expulsão dos holandeses de Pernambuco, de outra parte, estimulou a reação dos comissários do Santo Ofício e a fiscalização moral aumentou mais e mais.
 
        O Brasil pagou um tributo elevado à dominação jesuítica em Portugal, quando os integrantes da fortemente hierarquizada Companhia de Jesus, nascida em 1534, pelas mãos de Inácio de Loyola, um soldado que tivera a perna fraturada em campanha e durante a convalescença leu a Bíblia por inteiro, teve a idéia de criar uma instituição, em tudo semelhante ao exército, para difundir a fé. Esses padres, considerados diretores espirituais da burguesia portuguesa, decidiam tudo ou quase tudo. É o padre Georgel, citado por Mário Domingues, quem declara:
 
        Não havia na Europa, nem nos dois hemisférios nação alguma onde a nossa Sociedade fosse mais acatada, mais poderosa e estivesse mais solidamente estabelecida do que Portugal, e em todos os países ou reinos sujeitos ao domínio Português... Éramos mais do que os diretores da consciência de todos os príncipes e princesas da família real, pois que o rei e seus ministros nos consultavam nos negócios, ainda os mais importantes, e nenhum lugar se provia para o governo do Estado ou da Igreja sem consulta nossa ou sem interferência do nosso valimento. Deste modo, o alto clero, os grandes, e o povo disputavam à porfia a nossa proteção e favor.
 
        Os paises mais desenvolvidos, como a Inglaterra e a França, experimentaram, entretanto, grandes avanços, especialmente por conta das sociedades científicas que criaram: a Royal Society e a Académie des Sciences. Esta última fundada por Colbert, em 1666, sob as bênçãos de Luiz XIV. A instituição francesa era diferente da inglesa, pois os seus integrantes recebiam proventos do estado, assumindo compromissos como forma de contrapartida, os quais implicavam no envolvimento dos mesmos com as questões mais importantes do estado, mesmo que estivessem também voltados para minúcias do cotidiano. Foi a Academia – Academie des Sciences – que no século XVIII (1785), cedeu alguns de seus membros para examinarem em comissão a questão resultante do grande incêndio que quase destrói, por inteiro, o Hôtel-Dieu, de cujo colegiado fazia parte Jacques René Tenon, um médico francês que modificou, completamente, a tipologia arquitetônica dos hospitais, criando o estilo pavilhonar. E a partir desse episódio e dessa nova tipologia, o arquiteto pernambucano, José Mamede Alves Ferreira fez o projeto do Hospital Pedro II, no Recife. Tudo conforme parecer apresentado pelo Conselheiro Geraldo Pereira ao Conselho Estadual de Cultura de Pernambuco, quando do tombamento da instituição em causa.
 
        Vale a pena, todavia, a leitura do texto adiante incluído, como forma de entender o valor que se dava, na França especialmente, ao conhecimento; texto publicado em página virtual sob o título geral de De Rerum Natura (A Natureza das Coisas) e com um designação específica de Breve História das Academias Científicas, como demonstram Carlos Fiolhais e Antônio José Leonardo:
   
        Com um cariz governamental surgiu em Paris, quatro anos após a Royal Society, o seu equivalente francês - a Académie des Sciences. Após a morte do Cardeal Mazarino, em 1661, e a ascensão ao trono do jovem Luís XIV, estavam criadas as condições para um reforço da importância da investigação científica francesa. Ao contrário da corte inglesa, o rei francês decidiu criar a Academia das Ciências não só como uma forma de afirmação da coroa francesa na Europa mas também para alimentar as suas pretensões ao nível de inovações aplicadas à guerra, à navegação, à arquitectura e engenharia. Desta forma, e por Carta Régia de 1666, providenciou aos cientistas fundos e instalações adequadas. Em troca, os cientistas reconheciam certas obrigações perante o estado francês. A selecção dos académicos esteve a cargo do ministro francês Jean-Baptiste Colbert, que não se esqueceu de incluir Huyghens na sua lista.
 
 
        Nos Países Baixos o calvinismo era mais liberal, mais flexível, o que permitiu o desenvolvimento da ciência e da técnica. São marcantes os avanços dessa época, a partir de invenções que vieram se somar à investigação cientifica e ao esclarecimento das coisas da natureza. Apareceram o telescópio, o microscópio, o barômetro e o termômetro, o relógio de pêndulo, os cálculos logaritmos, o cálculo integral e o correspondente nomeado de diferencial. Os holandeses, com essa visão avançada de que dispunham, desejavam fazer no Recife uma universidade da América, uma academia de todas as ciências e de todas as artes, fundada com os impostos para a manutenção dos sábios, os quais ensinariam as belas letras, transmitindo o conhecimento a brasileiros e tapuias. Defendiam que os filhos dos naturais deveriam estudar desde cedo, com a finalidade de melhor e mais facilmente torná-los bem educados. Essas últimas informações constam do livro de Pierre Moreau: História das Últimas Lutas no Brasil entre Holandeses e Portugueses e no volume Relação da Viagem ao País dos Tapuias, de 1651. Affonso Taunay confirma isso, o desejo do Conde Mauricio de Nassau de fundar no Recife a primeira universidade Sul Americana.
 
        Os jesuítas, entretanto, intimidados com a Reforma, aprovaram o que chamaram de Ratio Studiorum, uma série de regras e de normas que deveriam presidir o comportamento dos padres, dos professores de seus colégios e dos alunos. Incluindo-se ai o que seria ensinado e o que seria permitido à leitura. É neste cenário de rigor e de inflexibilidade que assume como Rei Dom José I e nomeia Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, como um de seus ministros. Pombal é, então, elevado à categoria de Primeiro Ministro e começa a tomar providências moralizadoras na educação. A 28 de junho de 1759, então, exarou um alvará extinguindo as escolas jesuítas de Portugal e das colônias. O Marquês de Pombal tinha sido Embaixador em Londres e tinha convivido com o desenvolvimento e os avanços todos da ciência, pelo que era considerado um “estrangeirado”, mas reconhecia a valia do conhecimento.
 
        É interessante lembrar que embora os esforços no sentido de se contar com uma instituição acadêmica no Brasil remontem os primeiros anos da colonização – a solicitação do Pe. Marçal Beliarte é prova disso – continuou em outras oportunidades, como a da Inconfidência Mineira, insurreição que postulava a libertação do jugo português; movimento que pretendia instalar em Vila Rica uma academia, conforme se pôde encontrar nos chamados Autos da Devassa. Mais do que isso, em 1808, quando Dom João veio transferido para esses domínios americanos, fugindo de Napoleão Bonaparte, tinha, em realidade, a intenção de criar uma universidade e para tanto estava destinada a verba de 80 contos, segundo os relatos de alguns historiadores. Terminou por fundar a Escola Cirúrgica da Bahia e a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro.
 
        Foi numa atmosfera diferenciada, de novidades científicas e de inovações que José Bonifácio de Andrada e Silva foi estudar na Europa, em Coimbra, especificamente, onde concluiu o Curso de Letras e fez a faculdade de Leis. Volta para o Brasil, ao que parece a convite de D. João VI, com a finalidade de ocupar a Reitoria do Instituto Acadêmico, uma espécie de universidade a ser criada no País. Não assume e não se sabe ao certo por que razões a empreitada não vingou. Um incentivador das novidades e das inovações, entretanto, instado a redigir, em 1821 as instruções aos deputados paulistas integrantes da delegação nacional às Cortes de Lisboa, retoma a idéia da universidade brasileira. Propõe, então, três faculdades: a de Filosofia, a de Jurisprudência e a de Medicina. O ideário de José Bonifácio não vingou, novamente, como não vingaram outras iniciativas semelhantes apresentadas no parlamento. Não se sabe, exatamente, as razões e os motivos, mas é de se imaginar que o País fosse carente de um espírito novo, renovador e inovador, de gente voltada para a compreensão do valor da educação no desenvolvimento econômico e social, como durante muito tempo aconteceu e quiçá ainda aconteça. Assim, foi sendo postergada a idéia de uma instituição acadêmica.
 
        Compreenda-se, entretanto, o que diz o Monsenhor Severino Leite Nogueira, em O Seminário de Olinda e seu Fundador o Bispo Azeredo Coutinho, sobretudo no que toca à citação que faz dos Diálogos das Grandezas do Brasil, quando afirma que a formação eclesiástica no século XVII (em 1618) era oferecida nas escolas conventuais, abrangendo estudos de filosofia e de teologia. Mais do que isso, entenda-se, também, a informação que traz o mesmo autor – Severino Nogueira – quando escreve textualmente: “Em Olinda depois da Restauração Pernambucana começaram logo os Cursos Superiores (Nota 12).”. Sendo a nota 12 alusiva à conhecida História da Companhia de Jesus, do padre Serafim Leite. Posteriormente, o Bispo D. José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho fundou o Seminário Episcopal de Nossa Senhora da Graça, cujos Estatutos foram escritos e publicados por ele em Lisboa em 1798. A nova instituição escolar substituiu o antigo colégio dos jesuítas, que prestou grandes serviços à província, educando várias gerações de jovens pernambucanos, onde se ensinava, além das primeiras letras, a iniciação ao latim, à filosofia, à moral e à matemática.
 
        O que se discute é a situação peculiar do Seminário de Olinda. Se podia ser caracterizado como um curso superior? Segundo os padrões da época, naturalmente, que não, haja vista a falta de equivalência com a Universidade de Coimbra, um padrão para a atividade acadêmica. Mas, se o Seminário assumisse a condição de college, como mostrou Vamireh Chacon, em relação ao colégio dos jesuítas da Bahia, bem que estaria capacitado a tanto, embora o autor de O Seminário de Olinda e seu Fundador – o Bispo Azeredo Coutinho, monsenhor Severino Nogueira, cite mais de uma vez em sua obra o fato de se ter naquele centro de formação eclesiástica um curso superior. Parece verdadeiro dizer que o ensino de terceiro grau nasceu em Pernambuco com os conventos e foi praticado nas antigas celas e nos velhos corredores desses mosteiros, tanto em Olinda como no Recife. Só depois veio a organização episcopal do seminário. Mas, é de Nilo Pereira, em A Faculdade de Direito do Recife: 1927-1977, a citação textual sobre o Seminário: “...capaz de possibilitar a fundação de outros centros de Instrução Superior...” Ou ainda a alusão a Gilberto Freyre, sem citar a obra, propriamente, na referência que faz a Azeredo Coutinho: “...Ele fez do velho colégio dos jesuítas o esboço de uma universidade moderna, desenvolvendo o ensino secundário em ensino superior, Olinda seria uma espécie de Coimbra; o Beberibe o seu Mondego.”. É ainda de Nilo Pereira o comentário, quando alude que o Seminário de Olinda foi o precursor do Curso Jurídico: “...Precursor no sentido de ser o Seminário um curso que pode merecer o nome de superior para a época. ...”. Pois, se não era de terceiro nível, como se diz hoje em dia, sob a ótica do formal, o era na perspectiva informal das matérias ensinadas e do alto nível das aulas.
 
        Mas, desde o século XVIII tenta-se em Pernambuco a criação de um estabelecimento voltado para o ensino médico. Assim, em 1798, o Desembargador-Ouvidor-Geral Antônio Luiz Pereira da Cunha, depois Senador do Império e Marquês de Inhambupe, solicitou da rainha D. Maria I a criação de um hospital no Recife, com as cadeiras de anatomia e de cirurgia. O reino devolveu o documento mandando, como acontece sempre com a engasgada burocracia daqui e d’alhures, que se ouvisse a Câmara de Olinda e a idéia não prosperou. Não se sabe bem as razões especificas, senão que havia uma infrutífera disputa entre Olinda e Recife, como alude Leduar de Assis Rocha, em Instituição do Ensino Médico em Pernambuco, além dos entraves administrativos antes aludidos. Após a frustrada tentativa de se instalar na Província uma escola de medicina, sabe-se que o médico português José Eustáquio Gomes fundara em dependências do Convento do Carmo, depois de despejados os frades, um Hospital Militar, com a finalidade de atender os feridos da intentona de 1817, a Revolução Republicana. Foi ai que o mesmo profissional criou uma Escola de Cirurgia Prática, formando o que se chamava à época de “práticos”, isto é, “cirurgiões” examinados por uma comissão ad hoc nomeada pela Câmara. Mas, o programa de formação dos “práticos” não foi além de 1828, mesmo assim prestou um relevante serviço à Província, haja vista ter formado um número significativo de “cirurgiões” como tal examinados e reconhecidos.
 
        Em 1840 o então governador Francisco do Rego Barros criou uma Cadeira de Arte Obstétrica, privativa de mulheres, sob a direção do Dr. Simplício Antônio Mavingner, que gozava da fama na cidade. A medida teve a finalidade de disciplinar o exercício profissional, em função do grande número de curiosas que partejavam no Recife. Sendo assim, tão logo formadas as primeiras parteiras, passou-se a exigir o registro, não apenas destas mas de médicos, cirurgiões e farmacêuticos. Talvez tenha sido a iniciativa, datada de 1849, o primeiro esforço de disciplinamento profissional em terras pernambucanas. É interessante o comentário que faz o mesmo Leduar de Assis Rocha, tantas vezes citado, o de que essa Aula, como chama, despertou o interesse pela leitura de alguns livros, tais como: O Manual das Parteiras, o Guia Médico das Mães de Família, de Imbert e o Dicionário de Medicina Popular, do Dr. Chernoviz. O Curso também se extinguiu quando faleceu Mavigner, em 1856. Este curso, por certo, é o mesmo que está referido em conferência de Albérico Câmara, na Sociedade de Medicina, em sessão solene de 17 de novembro de 1946, quando foi instalado o Instituto Pernambucano de História da Medicina; curso que o autor considera a semente remotíssima do ensino médico em Pernambuco, instalado, diz Câmara, no Ginásio Pernambucano, informação discordante daquela que oferece Renato Pina, quando localiza o programa no Liceu de Artes e Ofícios.  
 
        Só em 1895 o germe do ensino reaparece e o governo, liderado por Barbosa Lima, um homem empenhado com a instrução pública, mandou à Câmara dos Deputados um novo projeto. O plenário aprovou a iniciativa, mandando ao Senado, o que muito alegrou o médico Octávio de Freitas, um entusiasta das coisas de Pernambuco. Ali, entretanto, no Senado, o médico Constâncio Pontual declarou-se contrário e fez uma argumentação tal que o projeto de Nº. 111 foi rejeitado. Resta um relato a mais, de outra tentativa inútil, aquela da proposta feita no I Congresso Médico Pernambucano, em 1909; proposta de criação da tão sonhada escola, mais uma vez rejeitada, depois da argumentação de Arnóbio Marques e Joaquim Loureiro. Mas o século XX chegou trazendo a esperança e contando com a perseverança de um homem do porte de Octavio de Freitas, obstinadamente voltado para a criação de uma Faculdade de Medicina; Faculdade que fez mudar muita coisa nos ares do Estado. Fomentou o desenvolvimento do conhecimento, fez nascer o espírito do aperfeiçoamento, dando um tom cientifico a tudo, o que não era habitual e estimulou o surgimento de hospitais e laboratórios. Faculdade, ainda, que espalhou médicos pelo Nordeste inteiro, sendo fácil encontrar-se um facultativo nas capitais todas da Região, quando em visitas formais ou em férias.
 
        São essas justificativas e explicações que Aníbal Bruno reuniu no Prefácio que escreveu ao livro de Octávio de Freitas – História da Faculdade de Medicina do Recife – 1895 a 1943 -, apontando motivos para o autor produzir uma história em tão pouco tempo de existência. Essa verdadeira metamorfose que se passou com a fundação da escola, com a implantação de um novo espírito, o espírito científico, que preside as decisões bem fundamentadas e as iniciativas calcadas no juízo e na prudência. Precedeu a criação da Faculdade, a instalação da Escola de Farmácia do Recife, a 10 de maio de 1903. A nova instituição de ensino, à falta de uma sede, passou a funcionar na Escola de Engenharia, iniciando-se as aulas pelas 3 da tarde, depois que terminava o turno da casa-mãe. O Dr. Arnóbio Marques foi o primeiro Diretor, seguido pelo Euzébio Martins Costa que deu um grande impulso desvinculando o estabelecimento de ensino da benemérita associação: a Sociedade Propagadora da Instrução Pública. Mas, o grande feito para a medicina pernambucana foi a reunião da congregação da Escola de Farmácia a 5 de outubro de 1914, quando se decidiu pela criação de uma Faculdade de Medicina, sendo eleito Diretor o Prof. Octávio de Freitas, lugar, aliás, que chegou a acumular com a direção também da Escola. Foram designadas várias comissões para cuidarem da instalação, implantação e finalmente implementação do empreendimento. Mas, foi a 5 de abril de 1915 que se deu a primeira reunião da congregação, a qual foi eleita por aclamação, conforme o próprio Octavio de Freitas.
 
        A Faculdade, depois dessa primeira reunião da Congregação, da nomeação dos catedráticos e da eleição do Diretor – o Prof. Octávio de Freitas – passou um período de certa latência, isto é, sem que manifestação alguma denunciasse o ato e o fato desse excepcional feito. Mas, em 1920, com o aceno do Ministro do Interior (Dr. João Luiz Alves) de que se fosse criada e instalada uma Faculdade de Medicina no Recife, seria também fundada uma universidade, o ideário da instituição foi resgatado. Tendo o Governador de então, Dr. José Bezerra, entrado em contacto com Octávio de Freitas a propósito, soube de sua iniciativa e da existência de uma escola de medicina desde o ano de 1915. Com esse estimulo novo, uma segunda reunião da Congregação foi realizada a 4 de maio de 1920, às 13 horas, sob a presidência do Diretor antes já aludido e dentre outras providencias, considerando-se o falecimento de alguns dos professores fundadores, uma nova Congregação foi organizada. Estava constituído o corpo docente da Faculdade de Medicina do Recife, a qual, em 16 de julho de 1920 abriu o ano letivo com uma aula magna de Octávio de Freitas, fundador e patrono. Formou a primeira turma, inicialmente, com 15 alunos em 24 de dezembro de 1925, constituída dos seguintes concluintes: Porfírio de Andrade Sobrinho, Benedito Alves de Carvalho, Aníbal Bruno de Oliveira Firmo, João da Silva Correia de Oliveira Andrade, Argemiro Costa Filho e Antonio Inácio de Barros Ribeiro. Seis alunos chegaram ao final do curso.
 
                   Bibliografia
 
1) ANDRADE, Manoel Correia de – A Questão Regional: O Caso Nordeste. Recife. Capítulos de Geografia do Nordeste. 1982.
2) BRUNO, Aníbal – Prefácio in FREITAS, Octavio – Historia da Faculdade de Medicina do Recife. 1895 a 1943. Recife. Imprensa Oficial. 1944.
3) CAMARA, Albérico – Notícia Histórica Sobre o Hospital Pedro II de Recife. Separata de Publicações Médicas. Ano XIX – Num. 171. Outubro de 1947 – Janeiro de 1948.
4) CHACON, Vamireh – Intervenção em Homenagem ao Pe. Henrique de Lima S.J., na Assembléia Legislativa de Minas Gerais. Disponível em https://www.padrevaz.hpg.ig.com.br/artigo030.htm Acesso em 5 de agosto de 2008.
5) DOMINGUES Mário - O Marquês de Pombal e sua Época, Lisboa, Romano Torres, 2a. Edição, 1963.
6) FIOLHAIS, Carlos & LEONARDO, António JoséBreve História das Academias Científicas in De Rerum Natura (A Natureza das Coisas). Disponível em 15 de abril de 2008, em https://dererummundi.blogspot.com/2007/07/breve-histria-das-academias-cientficas.html Acesso em 5 de agosto de 2008.
7) FREITAS, Octavio – Historia da Faculdade de Medicina do Recife. 1895 a 1943. Recife. Imprensa Oficial. 1944.
8) FREYRE, Gilberto – Casa Grande & Senzala. Décima Primeira Edição. Rio de Janeiro, Livraria José Olimpio Editora. 1964.
9) GOMES, Eustáquio - Universidade tem história tardia no país. Universidade Estadual de Campinas.  13 a 19 de março de 2006. Disponível em https://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornalPDF/ju315pg0607.pdf Acesso em 5 de agosto de 2008
10) MOREAU, Pierre – História das Últimas Lutas no Brasil entre Holandeses e Portugueses e Relação da Viagem ao País dos Tapuias, 1651. página 85 Disponível em https://www.liber.ufpe.br/visaoholandesa/Search.vh?query=universidade# Acesso em 5 de agosto de 2008.
11) MOREIRA, Cláudio Renato Pina – A Medicina e o Ensino Médico em Pernambuco entre 1808 e 1920. Disponível em https://www.fcmupe.com.br/controller?conteudoId=79 Acesso em 8 de agosto de 2008.
12) PEREIRA, Nilo – A Faculdade de Direito do Recife (1927 – 1977). Ensaio Biográfico. Prefácio de Gilberto Freyre. 1º Volume. UFPE – Editora Universitária. Recife, 1977.
13) PEREIRA, Geraldo – A Medicina e os Médicos de Pernambuco: O Pioneirismo da Ciência e a Procrastinação do Ensino. Clio – Revista de Pesquisa História. nº 24, v. 2, 2006.
14) PEREIRA, Geraldo – Parecer de Tombamento do Hospital Pedro II (Recife). Apresentado ao Conselho Estadual de Cultura do Estado de Pernambuco. (no prelo).
15) ROCHA, Leduar de Assis – Instituição do Ensino Médico em Pernambuco. Recife, Editora Universitária da UFPE. 1974.
16) SCHWARTZMAN, Simon; PAIM, Antônio - A Universidade que não houve: antecedentes da ciência e educação superior no Brasil (uma perspectiva comparada). Disponível em https://www.schwartzman.org.br/simon/paim.htm . Acessado em 18 de fev. 2007.
17) TAUNAY, Affonso de E - Escorço Biográfico. página 28. Disponível em https://www.liber.ufpe.br/visaoholandesa/Get.vh?page.id=162&query=universidade&page.number=28 Acesso em 5 de agosto de 2008.


[1] Trabalho apresentado em reunião da Academia Pernambucana de Medicina, assinalando os 200 Anos de Criação do Ensino Médico no Brasil.
[2] Médico. Presidente da Academia Pernambucana de Medicina. Integra o Conselho Estadual de Cultura (Conselheiro)