Primeiras cesarianas no Brasil e em Pernambuco

22/06/2011 23:23

Primeiras cesarianas no Brasil e em Pernambuco

                                                                                                              MárioV.Guimarães
 
 
    O tema requer ligeiras divagações prévias. Na literatura,o termo já era existente na época de Júlio César, porém no sentido partidário, como pertencente ou relativo a César, que teria nascido de uma cesariana. É fato contudo, historicamente desmentido, pois naquelas priscas eras só se abria o ventre de uma mulher para retirar criança viva, caso  a mãe estivesse morta, o que não foi o caso de César, pois nas biografias deste, a sua mãe é citada várias vezes. O conceito médico de operação cesariana como procedimento cirúrgico, é muito posterior.
 
    Desde 700 AC que as leis de Roma proibiam funerais de gestante morta sem a retirada do feto.Quanto á primeira cesárea (ou seu esboço) em vida, que se tem noticia, foi realizada na Suíça , em 1500, na cidade de Sigershauferr, pelo cidadão Jacob Nufer,  que
não era médico, mas um popular que vivia de castrar porcas. Desesperado com o sofrimento da mulher, apelou para as “parteiras” da época e para os cirurgiões-barbeiros, que se recusaram a ajudá-lo.Apelou então para as autoridades, que sem opções, permitiram a sua intervenção , ajudado por duas parteiras, ao que consta, com êxito.
 
    A introdução da cesariana na prática médica,deu-se a partir do Sec.XVII, evidentemente com alta mortalidade materno-fetal. Segundo Larrgaard, no seu “Dicionário de Médicina Doméstica e Popular” de 1873, ainda citado pelo Prof. Joffre Rezende(UFGO), a préferencia de então era pelo uso do fórceps e embriotomias. Somente no Sec.XX a cesárea tornou-se rotineira.
 
   Em língua francesa, foi Ambroise Paré em 1560 que usou-a como termo obstétrico “en fantement césarienne”, e só em 1615 há referencias em inglês, como “cesarean section”. Em português, foi Domingos Vieira entre 1871 e 1874, no seu dicionário que marcou época na lexicografia brasileira. Vale a pena reproduzir na íntegra o verbete “césar” original, que não restringe-se a ato médico :
    “César,s.m.(do latim caesar, cognome dado ás crianças tiradas do seio da mãe por meio da operação depois chamada de cesárea ou cesariana, da raiz coed, de coedere, cortar, fazer incisão). Nome de um caudilho romano que tão grande logar ocupa na história do mundo, que conquistou as Gállias,derrotou Pompeu e se fez senhor da República Romana”.
 
      Antes porém do dicionário em tela, o termo já era usado no vocabulário médico da lingua portuguesa, pois entre 1862 e 1874 foram defendidas três teses inaugurais, sendo duas na Bahia e uma no Rio de Janeiro, que usaram a palavra “cesariana”. Outras duas do mêsmo período, preferiram usar a denominação “gastro-hysterectomia” em seu lugar.
 
     Voltando ao tema original. A pesquisa foi cativante, apesar do tema ser pouco explorado e portanto, pobre em informações.Dados conflitantes, fontes escassas, raras referencias, pobreza de datas, nomes e locais. Consta porém, que o pioneiro das cesarianas no Brasil, foi o médico José Corrêa Picanço, de rica biografia para o seu tempo, pernambucano nascido na então vila de Goiana, em 10/11/1745 e falecido no Rio de Janeiro em 20/10/1823.
 
      Iniciou seus estudos em Recife, indo depois para a Europa onde estudou Medicina, hávendo dúvidas se a sua formação médica foi em Coimbra(Portugal) ou em Montpellier ( na França), visto que a sua presença em ambas, inclusive em Paris, é incontestável. Em Coimbra chegou em 1772, tendo-se jubilado em 1790 como lente em Anatomia.
 
       Detentor de grande prestigio junto á corte de D. João VI, com ele voltou ao Brasil em face aa invasões napoleônicas, pois era Cirurgião-mor do Reino. No Brasil, em Salvador, foi sua atuação  junto ao Rei, que permitiu s fundação das faculdades de Medicina da Bahia no Hospital Real, dando ênfase aos  cursos de Anatomia e Obstetrícia em 18/2/1808 e a do Rio de Janeiro posteriormente, em 05/11/1808, com o nome de“Escola de Anatomia  Cirúrgica e Médica”. Agraciado com o título de Barão de Goiana, consta também que foi o parteiro da futura Rainha de Portugal, D. Maria II. Fundador pois, dos cursos médicos no Brasil.
 
      A bem da verdade, devo referir que, para surpresa nossa, lendo a excelente obra de Fabiola Rhoden “Uma ciência da diferença:sexo e gênero na medicina da mulher” (da Editora Fiocruz), á pág.63, deparamos com uma referencia a Luiz da Cunha Feijó,Visconde de Santa Isabel, médico da Casa Imperial e diretor da já Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, que reproduzo textualmente:” OFICIALMENTE(o chamativo é nosso) é considerado o primeiro praticante de cesariana no país, nos idos de 1855”. Em outras fontes, inclusive nas hoje credenciadas, via Internet, que sempre reproduzem dados de fontes idôneas, li já referências a um terceiro personagem, que teria sido o Dr. Francisco Furquim Werneck de Almeida, de Vassouras/RJ, este porém nascido em 29/9/1846. Como vemos, baseado na sua idade, não poderia competir com Corrêa Picanço, que cesariou em 1817(?) no Hospital Militar de Recife.
 
      Convenhamos que o aparecimento desses novos protagonistas, a nosso ver, não constituem um desmentido ao pioneirismo de Corrêa Picanço, com vasta vivencia na Europa, inclusive clínica em Paris, mestre de Anatomia em Lisbôa, Coimbra e na Bahia. Frize-se que o “oficialmente” de Fabiola Rhoden, é bastante significativo.
 
       Reproduzimos aqui, concluindo, o texto do livro “Analecto Goianense”, vol.V, pág.17, do historiador pernambucano Mário Santiago(pseudônimo de Álvaro Guerra), que diz o seguinte: “Há tradição em Pernambuco e até repetido pela imprensa, de que José Corrêa Picanço,  praticara gratuitamente na cidade do Recife, a operação cesariana em uma mulher preta, que sobrevivera, sendo essa a primeira  estupenda operação de tal natureza que se fizera nesta província.”
 
      José Corrêa Picanço,goianense, pernambucano, fundador dos cursos médicos no Brasil, autor da primeira cesariana no Brasil e em Pernambuco, merece mais respeito e admiração dos médicos pernambucanos, principalmente dos toco-ginecologistas e dos ligados ao ensino médico.
 
(mvg/9/07)