Judicialização da Saúde

22/06/2011 23:17
Judicialização da Saúde
José Márcio Soares Leite*
Maria de Fátima Gonzalez Leite*
 
 
            “É de curial sabença que a notória precariedade do sistema público de saúde brasileiro não consegue assegurar todos os cuidados de que necessitam os usuários do Sistema Único de Saúde-SUS. O insuficiente fornecimento gratuito de medicamentos pelos órgãos públicos, muitos dos quais demasiadamente caros até para as classes de maior poder aquisitivo, tem levado a população civil a socorrer-se das tutelas judiciais para garantir a efetivação do tratamento médico, o que vem sendo denominado de judicialização da saúde”(Ordagy.A.S., Coordenador Estadual-RJ do Instituto Brasileiro de Advogados Públicos-IBAP ).
 
            A saúde é direito social fundamental, a ser exercido pelo Estado, mediante a implementação de políticas públicas e sociais que propiciem à população o seu gozo efetivo.
 
            A Declaração Universal dos Direitos do Homem preceitua, em seu artigo III, que “Todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”, ou seja, o direito à saúde qualifica-se como direito humano fundamental justamente porque representa conseqüência indissociável do direto à vida. Mais adiante, o artigo XXV, 1, dispõe que “ Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem- estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis”. É a consagração da teoria do mínimo existencial de dignidade humana.
 
            Luis Alberto Barroso (Interpretação e Aplicação da Constituição. SP, 2001) leciona que “o art. 196 da Constituição Federal, garantindo o direito à saúde, é norma definidora de direito subjetivo, ensejando a exigibilidade de prestações positivas do Estado.
Na classificação da doutrina constitucionalista, é norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata, consoante disposto no art. 5º, parágrafo 1º, da Constituição, independendo de qualquer ato legislativo ou previsão orçamentária, o que implica sua pronta efetivação pela Administração Pública”.
 
            Sem dúvida, quando existir risco de vida ou à higiene física ou psíquica dos pacientes, em virtude da não obtenção gratuita de medicamentos ou da não realização do tratamento médico necessário, o remédio é acionar o poder judiciário para a obtenção do direito assegurado constitucionalmente. Entretanto, muitas vezes os gestores da saúde, alegando indisponibilidade econômico-financeira, mostram-se impossibilitados de cumprir as liminares concedidas. Cabe, então, fazer valer medidas pertinentes, como a prisão em flagrante pela prática de crime de desobediência(art.330, Código Penal).
 
            Recentes decisões proferidas pela Ministra Ellen Gracie do Supremo Tribunal Federal, nos procedimentos de Suspensão de Tutela Antecipada(STA), trouxeram aparente tranqüilidade a esses gestores da saúde, pois por meio da STA nº 91, a magistrada suspendeu o fornecimento de medicamentos, afirmando que “o direito à saúde não se realiza individualmente, mas por meio da efetivação de políticas públicas que beneficiem a população como um todo”. Dessa forma, somente teria caráter obrigatório o fornecimento gratuito dos medicamentos que constassem na lista do SUS.
 
            Nas tutelas de saúde, o Estado tem erigido em sua defesa o princípio da reserva do possível, que consubstancia a idéia de que os recursos públicos são limitados, enquanto as demandas sociais são ilimitadas. Ademais, o Estado tem discricionariedade para eleger as políticas públicas que deseja implementar.
Tal argumentação revela-se frágil, visto que o direito à saúde constitui direito básico e essencial assegurado ao ser humano, motivo pelo qual merece a máxima prioridade.
 
            A judicialização da saúde deve ser entendida como um efeito e não uma causa. Desse modo, os Governos precisam repensar urgentemente o Modelo de Atenção à Saúde, vigente, hospitalocêntrico, incapaz de responder às demandas sociais, alicerçado que está numa concepção negativa da saúde, já que saúde não é apenas a ausência de doença, mas um estado de completo bem estar físico, social e mental. Para tanto, deverão desenvolver ações integrais de saúde, e promover a produção social em saúde, por meio da implantação de territórios-saúde, onde os problemas serão identificados, priorizados e equacionados de forma intersetorial.
 
* Médico, Professor MSC em Ciências da Saúde. Membro da AMM, da APLAC, do IHGM e da SBHM.
* Advogada. Professora universitária. Conselheira da OAB/MA.
 
Publicada no jornal O Estado do Maranhão, dia 08 de junho de 2008 (Domingo)