Homero Benedito Ottoni
22/06/2011 16:01
Dr. Homero Benedito Ottoni
Centenario do nascimento de Homero Ottoni
As nações que não cultuam e não perpetuam a memória de seus grandes vultos, disse com razão o prof. Almeida Prado, não se projetam no futuro. Constituirão, quando muito, um aglomerado de indivíduos sem raízes no solo patrio e sem consistencia social definida, mas nunca um verdadeiro povo, consciente do papel que lhe toca representar no cenario universal e das responsabilidades legadas pela tradição de seus ancestrais.
A glorificação dos grandes nomes da medicina reverte sobre a propria classe medica que a representa.
E preciso evocar as velhas figuras da medicina brasileira, arquivadas no limbo do esquecimento coletivo. A juventude medica de hoje precisa e deve conhecer os médicos dos passado, muitos dos quais alicerçaram, em solidas bases cientificas, conhecimentos valiosos sobre a nossa medicina. E’necessario alertar esta juventude sobre a existencia de um passado que ela talvez não desdenhe, mas que maciçamente ignora. Para ela, o Brasil nasceu ontem e de integral fabricação norte-americana, disse meu mestre Almeida Prado. Ora, essa não é bem a verdade dos fatos, porque nossos antepassados, desarmados de todos os exames complementares de hoje, privados totalmente do comercio cientifico com o estrangeiro, construíram as bases da “medicina brasileira”, infelizmente tão pouco conhecida, porque a língua portuguesa é o tumulo do pensamento. O Brasil é hoje uma grande nação e a literatura medica brasileira haverá de penetrar na bibliografia universal com as suas características e com o seu contingente cientifico proprio.
Hoje através destas colunas desejamos prestar nossas homenagens, de afeto e de simpatia, a um colega que não foi cientistas, que não deixou seu nome ligado a trabalhos e projetos de pesquisa, mas que exerceu nobremente a sua profissão, com dignidade, servindo aos humilhados, amparando e protegendo os sofredores.
Para aqueles que não fizeram da vida uma duração infecunda e superflua, disse Francisco de Castro, é sempre antecipado o momento em que arrebatados pela correnteza da morte, que lá se vai desaguar nas solidões do outro mundo. Homero Benedito Ottoni foi cedo roubado ao convívio de seus concidadãos. Medicos do povo, ele hoje vive no bronze, em Guaratinguetá, a vida da imortalidade. Nunca compreendeu a vida pelo seu lado utilitarista; viveu intensamente a sua profissão, em sua terra adotiva, aliviando os sofrimentos dos doentes, que diariamente o procuravam. Envolvia de paz e de alegria os sofredores de males físicos ou os aflitos de angustias morais. Foi o grande medico de família, hoje já quase desaparecido, o orientador seguro, o amigo, o confidente, o conselheiro da grei familiar. Tomava sempre grande interesse pelos seus doentes e não os tratava como a ciencia experimental lida com os animais de laboratorio. Hoje, a burocratização da medicina retirou de nossa profissão a sua essencia espiritual, aquilo que a arte medica envolve de mais nobre e de mais profundo.
A 5 de maio de 1863, nascia em Minas Gerais aquele que mais tarde seria um grande medico em Guaratinguetá, glorificado pelo seu povo e cuja memoria só não é abençoada por quem não teve a ventura de conhecê-lo. Homero Benedito Ottoni, o medico do povo diplomado em 1892 pela Faculdade Nacional de Medicina, do Rio de Janeiro, falecido a 8 de fevereiro de 1910, sempre recebeu em vida o sufragio da consagração popular. Medico dos pobres e dos humildes, tem hoje a sua herma erguida em praça publica, graças a uma subscrição popular aberta pelo antigo jornal guaratinguetaen-se _ a “Gazeta Paulista”.
Na pessoa de Homero Ottoni, reverenciamos os medicos do passado, que exerceram com dignidade a mais nobre e a mais humanidade de todas as profissões, certos de que nem tudo passa sobre a terra, porque quem viveu para os outros deve tambem reviver na gratidão e na lembrança de seus semelhantes.
►Tal artigo foi originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo do dia 27 de julho de 1963