Ensino médico no Brasil: 200 anos
22/06/2011 23:23
Ensino médico no Brasil: 200 anos.
Mário V. Guimarães
No próximo ano, 2008, mais precisamente em 18 de fevereiro, a classe médica brasileira e talvez o próprio país, têm uma significativa data a comemorar, ou seja, dois séculos do estabelecimento do ensino médico na nossa terra, que esperamos seja condignamente prestigiada pelo Ministério da Educação, Universidades, entidades médicas e todos aqueles que se julgam responsáveis por essa formação profissional na nossa pátria.
Essa data tem uma história e um personagem. A história recúa ás guerras napoleônicas que abalaram a velha Europa nos fins do Século XVIII obrigando a Família Real portuguesa a refugiar-se na então colônia em 1807, fixando-se inicialmente na Bahia, mudando-se pouco depois para o Rio de Janeiro com toda a sua corte e colaboradores.
Ai entra o personagem.Trata-se do médico pernambucano, nascido na então vila de Goyana, José Corrêa Picanço, figura de maior expressão junto á Corte lusa, cirurgião-mor do Reino, amigo pessoal do Rei D.João VI e membro de alto nível das mais conceituadas entidades governamentais portuguesas, títulos estes conservados com a vinda para o Brasil.
Com a vinda da família real, Corrêa Picanço imediatamente sentiu a ausência de uma infra-estrutura médica na colônia e começou a trabalhar junto ao Rei para sanar a necessidade urgente de contornar esse problema, inclusive os processos imigratórios crescentes e decorrentes da vinda do governo para cá. Sua luta foi compensada em 18 de fevereiro de 1808, com a criação por S.M. da Escola de Cirurgia da Bahia, no então Real Hospital Militar, dando ênfase também ao curso de Obstetrícia, associando-o ao de Anatomia, do qual já era professor em Lisboa e Coimbra.
No mesmo ano e nas mesmas circunstancias, com a mudança da Corte para o Rio de Janeiro, foi fundada em 5 de novembro a “Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica” do RJ, também com a estrutura do Real Hospital Militar.
Á Corrêa Picanço devemos ainda os pioneirismos no uso de cadáveres humanos no ensino de Anatomia (sua grande paixão), pois o costume de então era o uso de animais, inclusive em Portugal, onde pontificou em Lisboa e Coimbra. Também lhe é atribuído ser autor da primeira operação cesariana feita no Brasil, em 1823 e em Recife, em uma mulher preta, com êxito, pois os índices de mortalidade na época eram altíssimos, mesmo na Europa, e que segundo um seu biógrafo “sobrevivera, sendo essa a primeira estupenda operação de tal natureza que se fizera nessa província”.
Em relação a esse fato, julguei de bom arbítrio citar a ilustre pesquisadora Fabiola Rhoden que em sua magnífica obra “Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher” (Edit. Fiocruz), relata que “oficialmente é considerado o primeiro praticante de cesariana no país, nos idos de 1855” o médico Luiz da Cunha Feijó, da Casa Imperial, Visconde de Santa Isabel, e diretor da já Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Essa referencia contudo, a nosso ver, não desmerece Corrêa Picanço. O advérbio “oficialmente” é bastante esclarecedor e sugestivo.
O brasileiro, que soube impor-se em Lisboa, Coimbra, Paris e Montpellier era tão ligado á Casa Real que fez parte da Comissão que declarou incapacitada a Rainha D.Maria I, por insânia, em 1792 e em 1819 partejou a Imperatriz Leopoldina quando do nascimento da Princesa D. Maria da Glória, futura Rainha de Portugal, como D. Maria II. Foi agraciado com o título de Barão de Goyana, sendo o único médico pernambucano tido como “Grande do Império”.
Nasceu em 10/11/1745 e faleceu no Rio de Janeiro em 20/10/1823. Esperamos, pois que essa grande figura da Medicina brasileira, seja condignamente reverenciada por quem de direito.
Sogope, jan/07.