Clóvis Galvão de Moura Lacerda
22/06/2011 15:17
Dr. Clóvis Galvão de Moura Lacerda
A data de 4 de outubro assinala o centenário do nascimento de uma criatura que, não sendo santista, deu a esta cidade grande parte de sua vida. Trata-se do dr. Clóvis Galvão de Moura Lacerda, que vive no coração e na lembrança de quantos o conheceram.
Nasceu em Una, hoje Ibiúna, que pertencia à comarca de São Roque, no Estado de São Paulo. Eram seus pais, Antônio Mariano Galvão de Moura Lacerda e Maria do Carmo Toledo Lacerda. Seu pai era professor em uma fazenda daquela localidade. Sua família tinha raízes portuguesas. O primeiro a radicar-se no Brasil, no século XVIII, foi o capitão José Pedro Galvão de Moura Lacerda, cujo nome figura entre os membros da Mesa Administrativa da Irmandade dos Passos. Entre os seus ascendentes está o Brigadeiro Galvão, nascido em Santos em 1746, primeiro santista a conquistar esse posto.
No decorrer de sua infância, Clóvis residiu em vários lugares do Interior. Isso em razão das transferências de escola que ocorriam, quando seu pai era promovido na escala do magistério. Seus estudos primários desenvolveram-se em diversas escolas, mas ao atingir a adolescência foi cursar o Ginásio do Estado da Capital de São Paulo.
Nessa fase despertou em si o desejo de ser médico, por vocação, livre escolha e idealismo. Em 1911 ingressou na Escola de Medicina do Rio de Janeiro, com grandes sacrifícios de sua família. Em 1915, concluiu o curso, defendendo tese com brilhantismo. A solenidade de entrega dos diplomas foi realizada no dia 12 de dezembro.
Novos horizontes abriam-se à sua frente, e logo o dr. Clóvis iniciava com entusiasmo o exercício de sua profissão, em Cascavel, hoje município de Aguai, onde sua família estava residindo. Um ano depois, seu pai veio a falecer de um mal súbito. Foi a sua primeira desilusão. Sentir que os recursosr da Medicina não tinham sido capazes de reter aquele que amava e que tanto se esforçara para torná-lo um médico. Decidiu transferir-se para São João dá Boa Vista, onde passou a clinicar. Fez grandes amizades, entre elas, o prof. Armando Belegarde, que muito se afeiçoou ao jovem médico. Em 1919, o prof. Belegarde foi transferido para Santos, e convenceu o amigo a acompanhá-lo, fazendo-o ver que era uma cidade em franco progresso, onde poderia encontrar melhor futuro.
O dr. Clóvis foi recebido com simpatia e bondade pelo prefeito coronel Joaquim Montenegro, e como um amigo, pela sociedade santista. Dirigiu-se à velha Santa Casa, situada na Rua São Francisco, ao lado do Monte Serrate, onde pretendia iniciar as suas atividades, o que se deu no dia 10 de maio de 1919. Dedicou-se ao trabalho com muito amor, principalmente no campo da Pediatria, como assistente de sua clínica. Em 1921, passou a chefe da 1a Policlínica da Santa Casa.
Em 1923, ministrou aulas de Patologia na Escola de Enfermeiras. Em 1925, realizou o sonho de constituir família. No dia 28 de janeiro, uniu-se pelo matrimônio à senhorita Beatriz de Barros Pires, filha de Francisco da Costa Pires e Zulmira de Barros Pires. As cerimônias, civil e religiosa, realizaram-se no casarão branco. O casal teve três filhos: Lúcia, Milton Paulo e Paulo Eduardo.
Aos 23 de maio de 1927, foi nomeado chefe da clínica Médica Infantil. Tinha uma maneira especial de tratar as crianças, fazendo-o com muito carinho, conquistando-as facilmente. Na verdade, a criança era a sua meta. Decidiu ir para a Europa para fazer estágio nos hospitais infantis da Alemanha, Áustria e França. Adquiriu maiores conhecimentos que colaboraram para a melhoria da clínica a seu cargo. Lá esteve, de junho de 1927 a junho de 1928. Retornando, o dr. Clóvis reassumiu as suas atividades, ansioso para colocar em prática as idéias concebidas na estada nos países europeus.
Em reconhecimento à sua dedicação, em 10 de julho de 1929, recebeu o título de irmão remido da Irmandade da Santa Casa. Por ocasião da mudança do hospital para o prédio atual, o dr. Clóvis deu sugestões inteligentes, com relação à instalação da enfermaria infantil. Não apenas para que atendesse a todos os requisitos inerentes a uma clínica de crianças, mas, sobretudo, para oferecer um visual mais ameno, menos frio.
Em 19 de julho de 1930, foi eleito vice-provedor da Irmandade, e por duas vezes exerceu a Provedoria, interinamente. De 17 de fevereiro de 1940 a 14 de janeiro de 1942, exerceu o cargo de diretor clínico do hospital, tendo criado a Clínica Cardiológica e Neurológica, e instalado o 1° aparelho dr. Manoel de Abreu. Trabalhou na Santa Casa durante 40 anos. Aposentou-se em 1959, com indisfàrçável tristeza, pois ela fazia parte de sua própria vida, mas sentia-se tranqüilo porque os seus assistentes comungavam do seu idealismo, e haveriam de continuar a sua obra com igual dedicação. Nessa oportunidade ele foi, merecidamente elogiado, e recebeu o título de membro honorário do Corpo Clínico da Santa Casa conforme Portaria 84 da Provedoria.
Muitas outras instituições contaram com seus serviços. Em 1924, foi admitido como médico pelo Centro dos Construtores e Industriais de Santos, dando assistência a muitos acidentados. De 1926 a 1946 clinicou na Cruz Vermelha, na seção de verminose e impaludismo. Em 1937, foi nomeado médico da Assistência Social do Ambulatório da Caixa de Acidentes do Centro dos Estivadores. Esteve como diretor-clínico do Sindicato dos Bancários, que deixou por efeito da lei que não permite acumular cargos. Em 1933, introduziu em nossa cidade o tratamento da raiva, o que fazia por sua própria iniciativa, para acudir as pessoas mordidas por cachorro louco que, muitas vezes, não podiam ir diariamente a São Paulo em busca do tratamento necessário.
Foi no seu trabalho na Cruz Vermelha que teve convívio com crianças em estado de anemia muito adiantado, o que as tornava apáticas, de olhar tristonho, sem a alegria da idade. Situação deveras preocupante.
Em 1941, procurou o então prefeito dr. António Gomide Ribeiro dos Santos, homem de larga visão, a quem expôs esse problema que necessitava de soluções urgentes. Recebeu, de imediato, o apoio preciso para organizar o Serviço de Saúde Escolar. Depois de acurados estudos foi então criado o Departamento Municipal de Assistência Escolar, e no dia 17 de abril de 1943, foi nomeado para o cargo de médico-chefe. Nessa atividade o dr. Clóvis pode ver concretizados muitos dos planos que traçara para benefício das crianças. Contando com total assentimento do prefeito, idealizou uma assistência escolar de grande alcance. As crianças necessitavam de atendimento médico, odontológico, mas também, de uma alimentação bastante nutritiva. Que a escola oferecesse uma complementação alimentar para compensar as deficiências sofridas em seus lares. A desnutrição refletia-se no aproveitamento da aulas, levando-as muitas vezes à reprovação.
Percorria pessoalmente, todas as manhãs, as unidades escolares, grupos, parques, acompanhando os progressos obtidos, e verificando as falhas que porventura existissem, para que fossem sanadas. Foi assim que ele pôde perceber a existência de crianças com problemas mentais, que necessitavam de uma escola especializada. O seu último trabalho à frente do Departamento de Assistência Escolar, foi a instalação da Clínica Especializada e da escola para excepcionais, Escola Profª Carmelita Prost Vilaça, graças ao apoio que recebeu do Prefeito Engenheiro Sílvio Fernandes Lopes.
Muito se entristeceu quando teve de abandonar esse trabalho, ao qual se dedicou de corpo e alma. Estava o dr. Clóvis Galvão de Moura Lacerda, na plenitude de suas atividades, distribuindo os frutos de suas valiosas experiências ao longo do tempo, quando por força da Lei Compulsória foi aposentado ao completar 70 anos, no dia 4 de outubro de 1960, pelo Decreto 1.900 assinado pelo prefeito eng. Sílvio Fernandes Lopes. Em uma solenidade no seu gabinete, com a presença de familiares, amigos e colegas, foi alvo de manifestações de apreço e carinho, tendo o sr. prefeito proferido uma brilhante oração, enaltecendo o seu trabalho à frente do departamento de sua responsabilidade, e avaliando a falta que viria a fazer. Reconhecia, entretanto, o merecimento daquela aposentadoria, após tantos anos de trabalho honesto e devotado. Em 1963, no governo do prefeito José Gomes, foi indicado como membro da Comissão Municipal de Proteção à Infância.
Foi sócio fundador da Associação dos Médicos de Santos, do Departamento de Previdência da Associação Paulista de Medicina e do Clube de Campo, participou do 1° ensaio da criacão do Sindicato dos Médicos. Foi o 1° presidente da Confederação das Famílias Cristãs. Participou da diretoria da Irmandade Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos como consultor e tesoureiro de 1938 a 1940. Prestou serviços a várias entidades beneficentes. Foi sócio benfeitor do Asilo Anália Franco. Como membro dos Vicentinos, visitava famílias carentes, e deu assistência médica aos idosos do Asilo São Vicente de Paulo. Igual assistência deu à Casa do Senhor, Creche Menino Jesus, Liga da Divina Providência e Gota de Leite.
Foi um excelente palestrista, discorrendo sobre temas os mais variados. Ministrou cursos de Puericultura promovidos pela Legião Brasileira de Assistência e outras entidades. Escreveu muitos artigos, não apenas sobre Medicina, mas também sobre outros assuntos, evidenciando os seus profundos conhecimentos. Em 1956, quando Santos sofreu a catástrofe dos deslizamentos nos morros, foi muito atuante como chefe social do socorro às vítimas, dando o melhor de si pêlos atingidos por essa tragédia.
Quando eclodiu a Revolução Constitucionalista de 1932, que tantos sacrifícios impôs ao povo paulista, o dr. Clóvis foi um dos que mais se entusiasmaram, dispondo-se prontamente a lutar pelo direito de todos os brasileiros. Alistou-se no Batalhão Maranhão da Milícia Cívica de Santos. Seu desejo era ir para a frente de batalha, mas em razão de sua profissão, foi requisitado pela Cruz Vermelha, para chefiar a equipe médica que seguiria para a região do Túnel. Pela sua atuação foi promovido pelo comandante Euclides Figueiredo, ao posto de Capitão-Médico. Sua participação na célebre epopéia consta do certificado oficial da comissão, no artigo 30 das Disposições transitórias da Constituição do Estado de São Paulo.
Ainda em 1932, dispensou eficiente assistência aos escoteiros católicos.
Terminado o conflito, os ânimos serenaram, mas o dr. Clovis decidiu experimentar a política, uma vez que o civismo falava alto dentro de si. Alimentava o desejo de servir o povo de sua terra, não apenas como médico. Como membro do velho Partido Republicano Paulista, foi seu tesoureiro. Foi Presidente do Clube dos Bandeirantes fundado logo após o final da revolução, e membro do Clube Piratininga de São Paulo. Militou por pouco tempo na política. Decepcinou-se