A Medicina e os Médicos de Pernambuco - O pioneirismo da Ciência e Procrastinação do Ensino
22/06/2011 23:24
A Medicina e os Médicos de Pernambuco
O Pioneirismo da Ciência e a Procrastinação do Ensino.
Geraldo Pereira (*)
Pernambuco tem uma história importante de antecipações literárias, artísticas e científicas. Desde a primazia na poética brasileira, pois que aqui, neste recanto tropical do globo, foi escrito o primeiro livro da literatura nacional e publicado em Lisboa, no ano de 1601: A Prosopopea. Data ainda mais anterior para a publicação – 1584 – defende Pereira da Costa, conforme Luzilá Ferreira, em texto introdutório a uma nova edição da obra pioneira. Da autoria de Bento Teixeira, um português nascido no Porto, tido durante certo tempo e por alguns autores como filho da terra, mas radicado no Brasil por muitos anos. Leonardo Dantas – Holandeses em Pernambuco – comenta que o autor fora um erudito dos mais brilhantes de seu tempo, tendo produzido um poema épico, merecendo também o reconhecimento por ter sido o primeiro a cantar as belezas do porto de Pernambuco e a simbiose da nascente povoação do Recife com o mar. Nagib Jorge Neto – A Literatura em Pernambuco – chama a atenção para a originalidade, mas acode o leitor com um apanhado crítico, justamente quando alude ao fato de ser discutível o engenho e arte do poeta, no estilo camoniano clássico, na aventura feliz por “mares nunca dantes navegados”. Jorge Neto cita Érico Veríssimo, insigne escritor gaúcho, que disse: “O mérito da obra é apenas cronológico. Foi o primeiro livro de um escritor nascido no Brasil”. Não era nascido no Brasil, como se viu, era um português do Porto. Mas, Veríssimo vai mais além, afirmando que Bento Teixeira foi “... o primeiro representante de uma raça danada de escritores cuja maior preocupação é apresentar os cumprimentos às pessoas do Governo a fim de obter toda sorte de favores...”. Realmente, o livro é dedicado ao Capitão e Governador de Pernambuco Jorge de Albuquerque Coelho, a quem o autor dedica um verso: “Que eu canto um Albuquerque soberano,/Da fé, da cara pátria firme muro/Cujo valor é ser que o céu lhe inspira,/Pode estancar a lácia e grega lira.”
Antecipações também nas artes, a tirar pelo que foi produzido a partir das iniciativas de João Mauricio de Nassau, governador holandês da capitania, sobretudo pelas presenças aqui de Frans Post e de Albert Eckhout, notáveis pintores dos cenários e dos tipos humanos do lugar. Além de Zacarias Wagener, menos lembrado, mas que nas referências de Leonardo Dantas assumiu na época a função de despenseiro e com isso privou do convívio com os intelectuais da provinciana corte. Aproximação, inclusive, que resultaria numa certa similitude entre os seus desenhos e aqueles encontrados na obra de Georg Marckgrave e alguns quadros de Albert Eckhout, uma prática comum no tempo. Wagener deixou 110 aquarelas reunidas em livro intitulado Thier Buch (Livro dos Animais), com motivos brasileiros, mas também de outras partes do mundo onde esteve. Albert Eckhout produziu acima de uma centena de quadros. E Post aproximadamente o mesmo número, sendo 18 em Pernambuco, dos quais restam no Estado sete obras, no Instituto Ricardo Brennand. Essa produção pictórica, hoje espalhada pelos museus do mundo inteiro e do Recife, como se viu, mostram os feitos militares e demonstram a arquitetura militar e civil de então, além da fauna, da flora e dos personagens das cenas daquele pródigo século. Representaram, insiste Leonardo Dantas, mais de uma vez citado, a memória visual do governador batavo. Post, por sua vez, comenta ainda o mesmo autor, transformou-se em verdadeiro cronista da paisagem. Geraldo Gomes, estudioso da arquitetura, sobretudo do casario que caracterizou a cena pernambucana e dos conjuntos rurais de convivência – a casa grande, a capela e a senzala - dos engenhos da Zona da Mata, comenta que esses pintores do século XVI retrataram com toda precisão a vida urbana e rural da capitania.
Nas ciências, da mesma maneira, os ensaios de Williem Piso e Georg Marckgrave, ambos integrantes da comitiva do governante holandês, abordaram as doenças dos trópicos, as intervenções terapêuticas, notadamente aquelas usadas pelos índios e as peculiaridades geográficas, ecológicas, zoológicas e botânicas. Foram os primeiros trabalhos científicos realizados na colônia e depois publicados na Europa, onde ganharam notabilidade. Ambos se caracterizaram pela observação detalhada e cuidadosa dos fenômenos fisiológicos e patológicos nos trópicos, envolvendo inclusive anotações resultantes de necrópsias. Mas também pela atenção dispensada por eles à riqueza e à variedade vegetal e animal nessas terras quentes e úmidas que os holandeses ocuparam por mais de duas décadas. Há quem discorde dessa originalidade, sobretudo do pioneirismo atribuído a Piso, como sucedeu a Aluisio Bezerra Coutinho, em discurso que pronunciou na Academia Pernambucana de Medicina, por ocasião de sua posse: A Propósito de Guilherme Pizo. Coutinho assegura que Piso não foi o primeiro a deixar registrado por escrito as questões da patologia e do tratamento das moléstias tropicais, mas merece o reconhecimento que tem pela sistematização com que apresentou as questões ao mundo, criando um corpo de conhecimentos hipocráticos referentes às terras do Brasil. É de Bezerra Coutinho também a reflexão em torno de uma questão que perdurou por muito tempo: a da usurpação por parte de Piso dos registros de Marckgrave. Piso, defende Coutinho, era chefe do colega e com isso certamente teve recomendações a serem cumpridas e orientações a serem executadas, razão suficiente para compartilhar os achados. De mais a mais, não omitiu o nome do naturalista, que morrera na África, antes de Nassau e seus companheiros regressarem à Holanda, como se poderá depreender a seguir.
A verdade é que em 1648 foi publicada a Historia Naturalis Brasilae, dividida em duas partes: a obra de Piso, De Medicina Brasiliensi e o volume da autoria de Georg Marckgrave, depois que o material disponível foi analisado e organizado por Joannes de Laet, intitulado Historiae Rerum Naturalium Brasiliae. As observações e anotações foram tantas, mas tantas, que Piso desdobrou a sua contribuição em quatro livros diferentes. No primeiro desses registros faz uma descrição hipocrática do lugar, sob a rotulação acadêmica de De Aere, Aqyuis et Locis, um estudo detalhado sobre a natureza, o clima e as condições de vida no Brasil. No outro, o segundo – De Morbis Epidemiis –, trabalha a problemática das doenças na Colônia, destacando, como está em Carlos Alberto Miranda, o tétano, as boubas, a sífilis, o mal do bicho, as verminoses e as febres. Aborda, também, as práticas terapêuticas, fixando-se na experiência acumulada pelos índios. No próximo, o terceiro, dedica-se aos animais peçonhentos, fazendo alusão aos antídotos que conheceu: De Venenatis et Antidotis. Finalmente no último, intitulado De Facultatibus Simplicium, descreveu de forma minuciosa a ação das plantas medicinais e as respectivas virtudes. No primeiro de seus livros está bem patente a similitude com a obra de Hipócrates: Ares, Águas e Lugares. Piso destaca as vantagens dos trópicos, tratando da amenidade do clima, cujo calor era moderado: “... quer pelos ventos que durante o dia sopram do mar, quer pelo forte arrefecimento durante a noite.”. As antecipações de Piso ultrapassam o corriqueiro e chegam às questões ligadas à nutrição, ao sedentarismo e à obesidade das mulheres. Foi assim que Pernambuco tornou-se um centro médico respeitável, onde, inclusive, foram iniciados os estudos parasitológicos no Brasil, segundo ainda Carlos Alberto Miranda, autor da Arte de Curar nos Tempos da Colônia.
Souto Maior, em A Medicina popular e Alguns Remédios Populares, também se alinha dentre aqueles que reconhecem o pioneirismo de Piso e o grande salto que pôde empreender na prática da ciência, quando substituiu as indicações terapêuticas da Farmacopéia de Edimburgo pelas meizinhas dos gentios. A Farmacopéia trazia recomendações estranhas, tais como o uso de receitas à base de crânios de homens mortos em acidentes, secundinas, fezes humanas, urinas e pó de múmias; recomendações, aliás, que só foram substituídas em 1756, cem anos depois da publicação do livro de Piso. Miguel Doherty – Precursores do Futuro: Guilherme Piso e Bezerra Coutinho – comenta que os médicos de então, forjados à base dessa estranha forma terapêutica de se conduzir, eram despreparados e prescreviam os mesmos procedimentos para diferentes doenças. Receitavam, então, sangrias, enemas, vomitórios e purgações para a eliminação dos miasmas causadores das moléstias, além do que havia uma crença estabelecida na astrologia e na demonologia. Uma época, insiste o autor, na qual eram adotadas práticas ligadas às superstições e às interpretações astrológicas, creditando-se aos fleumas a origem das doenças; tempos também, continua o pesquisador, da cauterização das feridas com ferros quentes, breu ou óleo fervente. Doherty adianta que o profissional médico da provinciana corte veio acompanhado de dois assistentes, do também médico em Amsterdã Albert Coeraadsz Burgh e de Johann de Laet. Frederico Pernambucano de Mello, em prefácio que escreve apresentando o trabalho de Miguel Doherty – Miguel de Pernambuco – faz uma observação interessante sobre o tempo dos holandeses, inclusive pela reafirmação da importância que teve para a província essa passagem rápida dos flamengos. Diz Mello que nos tornamos ricos com o açúcar árabe e civilizados ou mais do que isso, refinados, com o legado do conde-príncipe de Nassau e sua corte de sábios, no século XVII. Sábios quase meninos, entregues aos estudos humanísticos e ao mesmo tempo físicos e naturais.
A antecipação maior que pode ser atribuída ao médico da corte flamenga foi essa, a substituição das práticas tradicionais, sobretudo empíricas, desprovidas de qualquer base cientifica, pela medicina indígena, pelos princípios de que se valia o gentio: incômodos provocados pelo sobrenatural eram curados pelos pajés com palavras ou com poções mágicas e injúrias de origem natural, curadas também por meios naturais dos reinos animal, vegetal e mineral. Usavam os índios, mais freqüentemente, a fitoterapia. Por isso, o estudioso flamengo mandou para a Europa muitas das plantas de Pernambuco. Os gentios foram os grandes mestres de Piso e ele fez um aplicado aprendizado, observando atentamente o uso comum dos sucos verdes à base de plantas, os chás e as meizinhas em geral. Souto Maior questiona: como teria o homem se habituado à utilização dos vegetais na terapêutica das pessoas? E ele mesmo responde, quando diz que certamente o fez observando, também, o comportamento dos animais. Do teju, por exemplo, que depois da picada da cobra corre para morder um pedaço de batata de cabeça-de-negro que lhe serve de antídoto ou vendo o cachorro comer capim para curar-se das dores de barriga. É uma suposição, diz o autor, mas que tem a sua logicidade, complementa. Outra importante conclusão do médico de que se vem tratando foi a importância da higiene diária, do banho tão comum no cotidiano do nativo, às vezes mais de uma vez ao dia. Com isso, entendeu a valia da limpeza na cura do maculo, além do papel que desempenhava o fumo. Piso, comenta Miguel Doherty: “... teve a percepção de ver e aprender novos hábitos e benefícios. E não simplesmente olhar sem ver.”. Foi Piso quem recomendou o suco de limão para marinheiros em longas travessias, como forma de evitar a lues escorbutica; foi ele, também, quem passou a indicar a ipeca, a tintura de ópio ou banana; é dele, de igual forma, a descrição da localização e o quadro clínico do ascaris lumbricoides e do enterobius vermicularis.
Os livros escritos por Willem Piso reproduzem a experiência adquirida pelo profissional holandês no trato com as doenças que encontrou no Brasil e mereceram elogios de vários intelectuais da época, incluindo aqueles do Predikant Alexandre Movrs, com a previsão de que as obras de pedra e as construções de madeira certamente ruiriam, mas os escritos ficariam, como ficaram até hoje. É de José Antonio Gonsalves de Mello, em conferência que pronunciou no Seminário de Tropicologia, da Fundação Joaquim Nabuco, o comentário de que muita gente pôde se livrar do ferro e do fogo que eram usados nos ferimentos à bala, usando as meizinhas que Piso aprendeu com os índios, como já foi assinalado. O uso, também, do suco do tabaco e a bebida da raiz fresca do jaborandi que cortavam a ação do veneno dos cogumelos e de outros tóxicos. Ou ainda a recomendação do mesmo médico quanto ao maracujá-mirm para os resfriados e as obstipacões, sem falar na erva-cidreira que ele próprio dizia tomar todos os dias, como faziam os íncolas. Willem foi um adepto da vida nos trópicos, enaltecendo a situação agradabilíssima com que contava, chamando a atenção para o frio a partir das 3 horas da manhã, pelo galicínio, até o nascer do sol. Na descrição das plantas e das frutas, mais de Marckgrave que de Piso, estão o ananás (o abacaxi) admirado pelo primeiro e a mangaba dos gostos do segundo. Essa vida enaltecida por tantos, foi motivo de interessantes versos tomados à guisa de Prefácio no livro: A Verdadeira Diferença entre os Paises Frios e Quentes. Livro da autoria de Otto Keye e poética introdutória de Quirijn Spranger, ambos cantando um verdadeiro hino de louvor, sobretudo à temperança do ar, a bondade dos frutos, a vida alegre e livre.
A obra de Georg Marckgrave, Historia Rerum Naturalium Brasiliae, foi dividida em oito livros. No primeiro o autor descreve, com riqueza de detalhes, peculiaridade, aliás, que perpassa todos os tomos, as ervas, no segundo trata das plantas frutíferas e dos arbustos; o terceiro versa a propósito das árvores; o quarto sobre os peixes marítimos, fluviais e testáceos; o quinto aborda as aves; o sexto os animais quadrúpedes e as serpentes; o sétimo os insetos e finalmente o oitavo no qual está descrita a região e seus habitantes. Tudo conforme Lycurgo Santos Filho: História da Medicina no Brasil: Do Século XVI ao Século XIX . Foi graças a Marckgrave, comenta o autor, que Nassau pôde de volta à Holanda levar e doar ao Teatro Anatômico da Universidade de Leyde, verdadeiras preciosidades botânicas, etnográficas e antropológicas. Outra iniciativa importante do naturalista foi a elaboração do que chamou de Ícones Rerum Brasiliensis, uma obra reunindo 1460 gravuras de animais e de vegetais do Brasil, sob a guarda hoje da Biblioteca de Berlim. Mackgrave realizou além de tudo importantes observações topográficas, meteorológicas e astronômicas. Produziu, ainda, uma coleção de plantas medicinais em pranchas de papelão, as quais foram encadernadas por gráficos holandeses. Foi o trabalho desses cientistas que tornaram as plantas brasileiras conhecidas na Europa e sobretudo promoveram as pesquisas e os ensaios na busca de novas drogas para o arsenal terapêutico do mundo, banindo ou começando a banir da prática as bruxarias ou quase bruxarias de que se tratou, as superstições e as crenças nos astros.
Pioneirismo do próprio Mauricio de Nassau, conforme consta dos comentários de José Antonio Gonsalves de Mello ao relatório de Adriano Verdonck, quando exigiu que os senhores de engenho plantassem mandioca para o abastecimento da capitania. Sendo assim, o conde teria sido um antecipador na interpretação da questão nutricional em Pernambuco, cuja base, ainda hoje, repousa também na produção alimentar. Dessa forma, o Governador do Brasil Holandês combatia já o problema que se arrasta a séculos: o latifúndio. Um despertar necessário hoje entre agrônomos, economistas, sociólogos, antropólogos, médicos e nutrólogos para o gravíssimo problema da terra. Mas, o relatório, escrito em 1630, faz alusão, de outra parte, ao fausto da casa-grande, na qual não faltavam bois e vacas, carneiros e cabritos, peixes e caranguejos, sem falar na abundância de legumes e toda sorte de guloseimas. Verdonck, mesmo tendo preparado o documento para servir aos holandeses, seus compatriotas, foi depois preso, acusado de traição e executado. No segundo relatório, da autoria de Adriaens Bullestrate há uma referência interessante e sobretudo antecipatória: a descrição da contaminação das águas dos rios pelos senhores de engenho com o bagaço de cana, o que trouxe muitos prejuízos no dizer do povo ribeirinho, principalmente no Cabo e em Ipojuca. É dos nativos e está referido no documento de que se vem tratando, a informação de que nos tempos do rei de Espanha havia ordens expressas proibindo a prática. Gilberto Freyre, em Casa Grande & Senzala reconhece a alimentação do gentio como saudável, mas considera a nutrição do negro e o padrão alimentar do branco colonizador inferiores, verdadeiramente insatisfatórios. Sendo, todavia, de péssima qualidade o cardápio diário da chamada classe intermediária. É curiosa a referencia de Souto Maior, quando diz que os negros eram alimentados logo cedo com doses de aguardente, para renderem melhor no eito. Nelson Chaves chamou a atenção para os problemas alimentares do Nordeste do Brasil, por anos a fio, comentando que mesmo que houvesse disponibilidade de estoques o povo não contaria com recursos financeiros para a aquisição dos nutrientes básicos. Foi o que se viu no Plano Cruzado: comida nos mercados, ágio na praça e a mesa vazia, a gente simples com fome.
Quando o tema é fome, pode-se dizer que ninguém foi mais antecipador que o pernambucano Josué de Castro, de quem nasceu o primeiro clamor em torno desse fenômeno que fere com a lança da morte populações inteiras de gente desvalida; gente largada à própria sorte, sem educação e sem saúde, sem moradia e sem água potável, sem saneamento e sem emprego. Gente das periferias – há hoje a periferia das periferias – sucumbindo à insalubridade das vielas, dos becos e das ruelas, das choças e dos mocambos, nas favelas e nos alagados. Castro viu de perto a vida nas palafitas, assistiu o caranguejo faminto com a espuma branca da fome, à cata de um peixe que passasse morto ou de uma casca de fruta que flutuasse, como viu no caís do Recife o homem urbano com um talo de capim verde no canto da boca, sorvendo o suco e deixando sair um espuma igualmente verde, como a do caranguejo: era a baba da fome. A monotonia alimentar a que se refere Josué de Castro, da farinha com feijão, da charque e do café com açúcar não tem mais lugar, quase, na mesa do agricultor, no almoço do campesino. Geraldo Pereira em Nordeste de Gilberto Freyre – Ecologia e Doença em Pernambuco, faz alusão a uma visita que fez a certa família da zona rural de Palmares, na Zona da Mata do Estado, em pleno almoço, no qual a carne era substituída por roletes de cana e misturada ao arroz em cada prato, dos pais e dos filhos. Na verdade, a fome do agricultor e de sua prole levou ao nanismo descrito no Nelson Chaves na Mata Sul; meninos e meninas abaixo da estatura esperada e moças de tal forma estreitas que teriam dificuldades, comenta o autor, em dar a luz no futuro. É o exclusivismo brutal a que se refere Gilberto Freyre, a monotonia de um vegetal só – a cana-de-açúcar –, espraiando um verde pálido nos latifúndios do massapé, que impede o plantio de subsistência e o pequeno criatório. Ou é o exclusivismo brutal que vem expulsando levas de famílias dos ambientes rurais para o inteiramente urbano do Recife e de outras cidades tidas como pólos. Uma população como a da Capital (Recife) que chega a 1,5 milhão de pessoas e como acentua Geraldo Pereira, em Mortalidade, Saneamento & Trópico, transformada em pletora humana, um amontoado de gente nos arredores citadinos, afogando o povo nos alagados infectos e espremendo a pobreza nas favelas, as quais se equilibram em inseguras encostas.
Pioneirismo também de Pernambuco nas três primeiras obras médicas publicadas em português, dando conta das doenças na Província e no Brasil. A obra Morão, Rosa & Pimenta – Notícia dos três Primeiros Livros em Vernáculo sobre Medicina no Brasil, cuja edição representou uma iniciativa da maior importância do Prof. Jordão Emerenciano, então Diretor do Arquivo Público Estadual, em 1956, reúne, como bem está no título, dos três primeiros livros escritos em vernáculo sobre medicina no Brasil. Livros, aliás, que reconhecem Simão Pinheiro Morão, João Ferreira da Rosa e Miguel Dias Pimenta como autores. A edição foi prefaciada pelo sociólogo e antropólogo Gilberto Freyre e comentada pelo geógrafo Gilberto Osório de Andrade e pelo médico Eustáquio Duarte. Tudo depois de um trabalho apresentado por Osório de Andrade no II Congresso Brasileiro de História da Medicina, em 1953. Gilberto Freyre, no texto introdutório, à guisa de prefaciar os volumes, retoma a questão antes já discutida do pioneirismo de Piso e insiste com o reconhecimento de Pernambuco como centro precursor de pesquisas científicas no Novo Mundo, com o zoológico, o jardim botânico, o observatório astronômico, os hospitais, os setores médicos voltados para as necrópsias e as primeiras observações sobre parasitologia, toxicologia, etc. Quando o autor – Gilberto Freyre – reconhece o pioneirismo de Piso, cita Gilberto Osório de Andrade e reafirma que o médico batavo foi “... o fundador da nosologia brasileira” Acrescentando Eustáquio Duarte “... ter sido o trópico brasileiro... pela primeira vez observado e apresentado em caráter estritamente cientifico.”. Dos três livros, conforme comenta Gilberto Osório, pelo menos dois foram escritos por médicos, com toda certeza. Livros publicados nos anos de 1683, 1694 e 1707, respectivamente.
Têm, respectivamente, os seguintes títulos: Tratado Único das Bexigas e Sarampo, de Romão Mōsia Reinhpo; O Tratado Único da Constituiçam Pestilencial de Pernambuco, de João Ferreira Rosa; e Notícias do que he o Achaque do Bicho, de Miguel Dias Pimenta. Este último o único que não era médico, mas comerciante. Note-se, ainda, que o nome de Morão aparece como um anagrama: Romão Mōsia Reinhpo. Isso, segundo o bibliófilo Tancredo de Barros Paiva. O livro de Rosa é considerado o mais antigo, mas, conforme Gilberto Osório, o Tratado Único das Bexigas e Sarampo é anterior em 11 anos o livro de João Ferreira da Rosa. Este livro parece ter sido escrito depois de um acometimento de bexiga que sofrera o autor, a tirar pelo que refere ele mesmo no seu texto, escrito “... ainda estando de cama, embargando todas as forças da mais cruel doença...”. O que não há concordância é na interpretação da mais cruel doença, se a bexiga realmente ou se a gota, como parece a outros. Teria D. João de Souza o exortado, como o exortou, a escrever com um bom pretexto. Repetiria, de uma certa forma, o que fez o célebre Robert Burton, da Inglaterra, autor de um trabalho sobre melancolia, mal de que sofria. Morão baseava-se na medicina hipocrática para tratar os seus doentes e assim prescrevia o livro. O autor recomendava quatro tensões curativas. A primeira seria a de evacuar toda a quantidade dos humores que “pecam ou sobejam no corpo do enfermo”. A segunda é ajudar a natureza para que lance da bexiga para fora os humores que as veias têm. A terceira é a aplicação de benzoárticos. E finalmente, o quarto dos procedimentos os quais se resumem no abrandamento dos sintomas ou acidentes que molestam o enfermo.
Já a contribuição de João Ferreira da Rosa foi uma conseqüência de uma mortífera pestilência que o povo de Pernambuco chamava de “epidemia dos males” e a gente baiana de “bicha venenosa”, por se parecer com os sintomas de picada de cobra. Tendo assistido à epidemia, o autor escreveu e publicou em Lisboa a sua versão, não apenas sobre as causas, mas também a propósito dos remédios e das medidas preventivas, incluindo os procedimentos com as covas e as ruas. Octávio de Freitas faz uma descrição interessante sobre a questão e atribui o quadro clínico à febre amarela, que matou 2.000 pessoas no Recife. Faz parte do cortejo sintomatológico a icterícia e a anemia, sendo que esta última pode ser antecipatória da morte para breve. É interessante o comentário que faz Eustáquio Duarte, à guisa de introdução histórica, demonstrando que a febre amarela, ao contrário do sarampo e da varíola, era desconhecida do branco europeu, razão para terem adoecido de forma epidêmica mesmo, mas conhecida pelo gentio e pelo negro vindo da África; as viroses anteriores não, quase dizimaram os gentios. O chamado tifo amarílico remonta às antigas civilizações, euro-afro-asiáticas, citando-se até nos aforismas de Hipócrates a icterícia e os vômitos negros, em que pese terem sido assim referidos de forma isolada, sem razão clínica aparente para consideração. Mas, é de Gilberto Osório a ênfase de que a epidemia teve tempo para começar e tempo para terminar, numa prova inequívoca da imunidade adquirida após o contágio ou após a doença; uma resposta sorológica, como classifica o ilustre geógrafo pernambucano.
É o mesmo Osório de Andrade quem comenta que se Morão escreveu o seu Trattado Único das Bexigas e Sarampos, pelo estrago que as enfermidades produziram nos negros e nos índios, Ferreira da Rosa preparou a sua Constituição Pestilencial de Pernambuco diante a doença do Marquês de Montebelo e Pimenta redigiu o seu Noticias do que he o Achaque do Bicho, à vista do miserável estado em que chegou ao Recife o primeiro juiz-de-fora, com o reto gangrenado e já sem cura possível, tudo por causa da falta de assistência durante a travessia da frota ultramarina. O autor parece simples, quando anuncia que não escreve a sua obra com aqueles ditames escolásticos de que muitos são dotados. Não era médico e não tinha certa formação humanística, como sucedia com os profissionais seguidores de Esculápio e de Hipócrates. Decidira-se por escrever para não ver tanta gente sofrendo de um mal que era de cura muito fácil, como procedia e com isso ganhava o seu sustento. A praga, um mal do “sesso”, isto é do ânus, não era comum entre os gentios, antes uma novidade. Gabriel Soares de Souza em seu Roteiro ou Tratado Descritivo do Brasil, que nos chega citado por Eustáquio Duarte, descreve o “mal do sêsso” e de igual maneira o tratamento realizado com a chamada erva-santa, o fumo ou o petume. Era hábito entre os índios o uso desses sumos em feridas de qualquer natureza, em bicheiras de gente e bicheiras de animal. Foi assim que o branco colonizador aprendeu a tratar das bicheiras todas. O mal do bicho tinha uma origem diferente da natureza parasitaria com que se apresentava, ao que parecia, haja vista que as larvas dos dípteros apenas se aproveitavam do ânus exposto, ferido. É das enfermidades antes aludidas a única que, por certo, desapareceu da nosologia tropical, como se supõe.
Mas, o português Aleixo de Abreu, médico licenciado por Coimbra, que esteve no Brasil, publicou em 1623 um livro hoje raríssimo, no qual descreve as sete doenças de que foi acometido, quando de sua permanência nessas terras: o Tratado de las Siete Enfermedades. Livro que foi oferecido ao S.M. Felipe IV, rei de Espanha e Portugal, em espanhol, mas com sumários em latim. O sexto dos achaques foi, justamente, a doença do bicho, a qual era endêmica em áreas costeiras da África e da América, mas ocorrente também em outros continentes. O médico holandês Jacob Bontius anotou a sua freqüência na Batavia e projetaria o primeiro foco de luz ao estudar o mal como antigo e incidente nas terras em que morava. Piso bebeu na fonte de Bontius, pois que escreveu em seu volume II um capítulo com o título de Tenesmo, repetindo o autor anterior, que teria escrito o mesmo capítulo, ambos sobre o mal do bicho ou a doença do bicho. Mas, desses autores, todos comentados nas considerações introdutórias de Eustáquio Duarte, o estudo de Patrick Manson, a quem se deve uma relevante contribuição à Parasitologia, certamente foi o que melhor explicitou o mal. Manson, diante das descrições que lera afirmou ser a moléstia uma doença especifica e muito contagiosa, iniciando-se nas vizinhanças do ânus, denominando a entidade nosológica de retite gangrenosa epidêmica, abrindo o seu livro clássico – Tropical Diseases – com este capítulo. Ninguém chegou, de forma definitiva, à etiologia da patológica questão; ninguém foi capaz de propor as razões causais para tanto padecer. A verdade, porém, como está em Eustáquio Duarte, mais de uma vez já referido, é que a sintomatologia rica em comemorativos, com dores abdominais, disenterias, mucosidades nas fezes, expulsão de material sanguinolento, senão o sangue, propriamente, se traduz num quadro comum, comenta o autor, de disenteria bacilar. Não parece fácil, todavia, afastar o diagnostico de disenteria amebiana, haja vista a coincidência dos sintomas, recomendando-se até, de rotina, o diagnóstico diferencial entre uma e outra entidades nosológicas.
Há de se considerar, porém, que durante toda a colonização o desenvolvimento cientifico em Portugal tropeçava, conforme comenta Carlos Miranda, na intransigência religiosa, que impedia a aquisição de novos conhecimentos, retardando a evolução das ciências na metrópole, sobretudo a medicina. Era o Santo Ofício que cuidava em freiar, verdadeiramente, os avanços, dificultando a pesquisa cientifica e inibindo a transferência do conhecimento. Assim sendo, as contribuições resultantes dos trabalhos desenvolvidos e até publicados pelos pesquisadores flamengos, por exemplo, foram censurados, por serem os seus autores protestantes, razão pela qual a medicina portuguesa ignorou os achados holandeses e deixou de aplicar, como seria de se esperar, a terapêutica nova levada para a Europa dessas terras de Pernambuco. Já nos Países Baixos não, o calvinismo era mais liberal, mais flexível, o que permitiu o desenvolvimento da ciência e da técnica. São marcantes os avanços dessa época, a partir de invenções que vieram se somar à investigação cientifica e ao esclarecimento das coisas da natureza. Apareceram o telescópio, o microscópio, o barômetro e o termômetro, o relógio de pêndulo, os cálculos logaritmos, integral e diferencial. Com a expulsão dos holandeses de Pernambuco, os comissários do Santo Oficio, passaram a coagir os médicos e os cirurgiões, a ponto de exigirem, através de posturas da Igreja, que os doentes se confessassem antes de qualquer procedimento clínico ou terapêutico, sendo negada a atenção à saúde no caso de negativa também do enfermo. As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, ordenadas por D. Sebastião Monteiro da Vide, ameaçavam de excomunhão o médico ou o cirurgião que não seguisse à risca as determinações ali estabelecidas.
Tendo sido Pernambuco assim, tão pródigo em humanistas e tão rico em cientistas, divulgando para o mundo a produção literária e os resultados positivos obtidos no campo das ciências, especialmente na seara das ciências da vida, demorou-se muito para instituir o ensino formal, notadamente o ensino superior. O Brasil atrasou-se neste particular por inteiro. Prova disso é o fato de que a primeira universidade – a Universidade do Brasil – só foi criada em 1922, no centenário da independência, para agraciar o rei da Bélgica com um titulo honorifico. É estranho que o colonizador português não tenha se interessado pela transferência do conhecimento nas capitanias hereditárias, sendo, como era, de um continente pródigo em instituições acadêmicas, tenha se descuidado tanto com a colônia da América. Manoel Correia de Andrade comenta que a descoberta não trouxe à coroa grande satisfação, haja vista a imensidão das terras, sem organização alguma, pouco habitada, o que impedia o descobridor de fazer como na Índia, um verdadeiro saque de especiarias e de outras mercadorias. Gilberto Freyre também comenta o fato, o desencanto de não ter encontrado aqui especiarias, mas também pedras preciosas ou um México ou um Peru, onde pudesse extrair ouro e prata. Portugal só despertou para o Brasil quando notou o interesse estrangeiro. Mesmo assim, investiu no lucro fácil, no retorno rápido do capital, desmatando e levando o pau-brasil para aproveitar a tintura que a madeira fornecia e dessa forma produzir tecidos de cor. À sugestão de um jesuíta, Marçal Beliarte, citado por Eustaquio Gomes, de se criar uma universidade que bem servisse aos propósitos da colonização, teve resposta negativa da corte lisboeta. Uma universidade no meio do mato? É o que indaga Eustáquio Gomes. Mas, insiste o autor, as tentativas de se criar uma instituição acadêmica foram várias, sendo de se destacar a idéia que tinham os inconfidentes de fundar um desses centros, à semelhança da Universidade de Coimbra. Sabiam esses perseverantes libertadores que só a educação traria a verdadeira independência. E com isso não concordavam os portugueses.
O Brasil pagou um tributo elevado à dominação jesuítica em Portugal, quando os integrantes da fortemente hierarquizada Companhia de Jesus, nascida em 1534, pelas mãos de Inácio de Loyola, um soldado que tivera a perna fraturada em campanha e durante a convalescença leu a Bíblia por inteiro, teve a idéia de criar uma instituição, em tudo semelhante ao exército, para difundir a fé. Esses padres, considerados “diretores espirituais” da burguesia portuguesa, decidiam tudo ou quase tudo. É o padre Georgel, citado por Mário Domingues, quem declara:
Não havia na Europa, nem nos dois hemisférios nação alguma onde a nossa Sociedade fosse mais acatada, mais poderosa e estivesse mais solidamente estabelecida do que Portugal, e em todos os países ou reinos sujeitos ao domínio Português... Éramos mais do que os diretores da consciência de todos os príncipes e princesas da família real, pois que o rei e seus ministros nos consultavam nos negócios, ainda os mais importantes, e nenhum lugar se provia para o governo do Estado ou da Igreja sem consulta nossa ou sem interferência do nosso valimento. Deste modo, o alto clero, os grandes, e o povo disputavam à porfia a nossa proteção e favor.
Foi assim que ficou Portugal, ao contrário do restante da Europa, sobretudo diferente da Itália, da Inglaterra e da França. Estes países notadamente os dois últimos, permitiram o florescimento das sociedades cientificas que vieram se somar ao esforço da geração e da transferência do conhecimento. Em Londres surgiu a Royal Society, uma instituição criada por cientistas que tinham uma posição definida na sociedade e no quadro político da época, ligados a um movimento de reforma social que se seguiu à revolução industrial. Grupo de cientistas voltados para as coisas práticas da vida, mas com pretensões muito mais amplas, já que esta perspectiva prática e experimental era a própria filosofia que se articulava em contraposição à cultura tradicional das universidades de então. Na França também, a Academia de Ciências de Paris, criada por Colbert, em 1776, tinha uma diferença fundamental, era constituída por cientistas profissionais, vinte sábios mantidos pelo governo e a postos para a resolução de problemas bem objetivos, tais como o desenho das fontes reais e a criação de jogos de azar para a distração da corte. Portugal passa inicialmente por um tempo pródigo, de avanços e de ganhos, como o desenvolvimento de caravelas, com as quais os navegadores venceram os mares e descobriram o Brasil e outros cantos do mundo. Inclusive com a instalação da Escola de Sagres em 1420, atribuindo-se a essa iniciativa os sucessos portugueses na conquista das novas terras que foram colônias e hoje estão independentes. Ao longo desse século – o século XV – a gente portuguesa começa a colonização das ilhas do Atlântico (Madeira, Porto Seguro e o Arquipélago dos Açores) e descobre um novo caminho marítimo para Oriente. Em 1493, a expedição de Vasco da Gama contorna o Cabo da Boa Esperança e atinge a Índia, seguindo-se logo depois a descoberta do Brasil. Os jesuítas, porém, intimidados pela Reforma Protestante retomam um movimento contrário – a Contra-Reforma – empreendendo uma cruzada de resgate dos saberes tradicionais, ultrapassados e vencidos já. Surgem como forma de resistência o Ratio Studiorum e a inquisição. O Ratio Studiorum eram as posturas da Companhia em relação ao ensino, regras disciplinadoras para os professores e os alunos, com restrições aos temas a serem desenvolvidos e aos livros a serem lidos. Uma censura enorme aos grandes avanços. E a Inquisição – o Santo Ofício – uma maneira formal de punir àqueles que desrespeitassem as posições da Igreja.
O Marquês de Pombal – Sebastião José de Carvalho e Melo – foi considerado um estrangeirado, isto é, um daqueles que tendo vivido no exterior retornava a Portugal com idéias e ideais inovadores. O depois Marquês de Pombal fora embaixador em Londres e ali assistira o progresso que se fazia à base do conhecimento, da geração e da transferência dos saberes, sobretudo dos saberes científicos, cuja aplicação, como defendia o Marquês, era imediata. Em 1750 subiu ao trono D. José I e Sebastião de Carvalho e Melo é chamado para ocupar um posto no Gabinete, ascendendo depois ao lugar maior: o de Primeiro Ministro. Com isso, decidiu-se pela aplicação do que tinha visto e do que tinha aprendido na Inglaterra, a educação como mola mestra do desenvolvimento e a partir daí a ciência para ser imediatamente aplicada. Como um dos primeiros passos fundou o Colégio dos Nobres, destinado a 100 alunos oriundos da nobreza, em regime de internato e em férrea disciplina, aos quais seriam ensinadas as matérias da cultura clássica, mas também as matemáticas, a física, a hidrostática, a hidráulica, o desenho e a arquitetura. Foram importados da França e da Inglaterra equipamentos e professores, mas a iniciativa não surtiu o efeito esperado, porque, como está em Simon Schwartzman e Antônio Paim, desejava-se uma nobreza voltada para a ciência, mas inteiramente fiel ao rei e ao primeiro ministro, o que terminou por acarretar delações e formas diferentes de espionagem.
Em 1772 Pombal promove a Reforma Universitária ou por outra, cria uma nova instituição acadêmica, livre dos grilhões da Igreja e isenta dos compromissos clericais e escolásticos. As escolas se abrem às discussões e os professores, muitos dos quais selecionados diretamente pelo reformador, livres para ensinarem o que havia de novo e de moderno. Nessa atmosfera de novidades e de inovações vai estudar em Coimbra José Bonifácio de Andrade e Silva, formando-se na Faculdade de Filosofia e depois na Faculdade de Leis, mas faz uma opção diferente, dedicando-se às Ciências Naturais e enveredando pela seara da mineralogia. Volta para o Brasil, ao que parece a convite de D. João VI, com a finalidade de ocupar a Reitoria do Instituto Acadêmico, uma espécie de universidade a ser criada no Brasil. Não assume e não se sabe ao certo por que razões a empreitada não vingou. Um incentivador das novidades e das inovações, entretanto, instado a redigir, em 1821 as instruções aos deputados paulistas integrantes da delegação nacional às Cortes de Lisboa, retoma a idéia da universidade brasileira. Propõe, então, três faculdades: a de Filosofia, a de Jurisprudência e a de Medicina. O ideário de José Bonifácio não vingou, novamente, como não vingaram outras iniciativas semelhantes apresentadas no parlamento. Não se sabe, exatamente, as razões e os motivos, mas é de se imaginar que o País era carente de um espírito novo, renovador e inovador, de gente voltada para a compreensão do valor da educação no desenvolvimento econômico e social, como durante muito tempo aconteceu e quiçá ainda aconteça. Assim, foi sendo postergada a idéia de uma instituição acadêmica.
Quando a primeira universidade foi fundada no Brasil, já existiam 78 dessas academias espalhadas nos Estados Unidos e 20 por toda a América Latina. Os espanhóis, então, tinham um pensamento diferente do povo de Portugal, haja vista que em 1538 surgia a Universidade de São Domingos, a pioneira entre os paises de língua castelhana. Depois vieram as de São Marcos, no Peru (1551), México (1553), Bogotá (1662), Cuzco (1692), Havana (1728) e Santiago (1738). Os espanhóis, na realidade, conseguiram se livrar dos jesuítas muito antes que Portugal, muito antes da lucidez de Pombal, pelo menos das injunções da Companhia. As norte-americanas também: Havard (1638), Yale (1701) e Filadélfia (1755). Segundo o mesmo Gomes, mais de uma vez citado, houve uma tentativa de se fundar uma universidade em Salvador, em 1808, com a transferência da família real para o Brasil, fugindo de Napoleão, chegando-se a reservar uma verba de 80 contos de réis, o que resultou na criação, naquela cidade mesmo, da Faculdade de Medicina considerada a primaz do Brasil, no mesmo ano que a do Rio de Janeiro. A primeira em 18 de fevereiro, no curto espaço de tempo em que D. João VI esteve em Salvador, um mês e dois dias e a segunda a 2 de abril, com as denominações respectivas de Escola Cirúrgica da Bahia e Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro. Ambas criadas sob inspiração do pernambucano José Correia Picanço, que voltou da Europa com a corte portuguesa. Antes disso, somente existiam colégios e seminários sob os cuidados dos jesuítas, cuja expulsão, em 1759, trouxe um claro educacional enorme, somente compensado na passagem do século XVIII para o XIX quando houve uma verdadeira renovação nos ambientes culturais. Por quase 200 anos os padres da Companhia de Jesus dominaram o ensino, desde as primeiras letras, com uma finalidade especifica, a da catequese e a instrução, sobretudo a dos gentios, mantendo também, desde 1549 colégios que atendiam aos jovens voltados à carreira sacerdotal e outros moços com intenções diferentes, mas interessados em cursos superiores na Europa, a seguir. É de Joana Maria R. Di Santo a observação de que neste tempo dos jesuítas o ensino foi sempre destinado às elites burguesas, carregadas de privilégios.
Esse claro educacional fruto da saída dos padres jesuítas por determinação do Marquês de Pombal, com a finalidade de se tornar laico o ensino, resultou na desorganização que a reforma deixou. Sendo assim, foram instituídas as chamadas “aulas régias”, isto é aulas avulsas, financiadas com o “subsídio literário”, as quais continuaram a contemplar as camadas mais diferenciadas da população, como antes e talvez de forma pior, pois que faltavam professores e não havia uma sistemática a ser seguida. O ensino, então, nunca foi prioridade na colônia, senão assim, como se comentou, para uma casta social especifica. Em 1837, porém, o governo central desejando descentralizar a educação secundaria, entregando às províncias o dever de manter o ensino, criou, como modelo a ser seguido, o Colégio Pedro II. A medida surtiu pouco efeito fora do ambiente da corte e mesmo ali, haja vista a permanência das “aulas régias” e a necessidade dos exames preparatórios para o acesso às escolas superiores. O esforço das províncias trouxe alguns exemplos de educandários com nível de excelência, como sucedeu no Recife com o Ginásio Pernambucano, criado a partir da Lei Provincial Nº. 369, de 14 de maio de 1855, mas destinados sempre a um segmento pequeno, modesto até na escala social da vida. Até começos do século XX estudantes de todo o Nordeste vinham fazer os exames preparatórios ali, no velho Ginásio. Além deste, o bispo D. José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho fundou o Seminário Episcopal de Nossa Senhora da Graça, cujos Estatutos foram escritos e publicados por ele em Lisboa em 1798. A nova instituição escolar substituiu o antigo colégio dos jesuítas, que prestou grandes serviços à província, educando várias gerações de jovens pernambucanos, onde se ensinava, além das primeiras letras, a iniciação ao latim, à filosofia, à moral e à matemática. O seminário veio para formar sacerdotes e cidadãos voltados ao serviço da pátria. Foi considerado pelo Cônego Barata uma “Escola de Heróis”, forjando diversas gerações de padres e de humanistas. Não se pode desprezar, todavia, o papel do mestre-escola, sobretudo no interregno conseqüente à expulsão dos jesuítas. Vale lembrar o esforço que fizeram neste sentido Bento Teixeira e Branca Dias aqui, nestas terras de Duarte Coelho e de Mauricio.
Desde o século XVIII tenta-se em Pernambuco a criação de um estabelecimento voltado para o ensino médico. Assim, em 1798, o Desembargador-Ouvidor-Geral Antônio Luiz Pereira da Cunha, depois Senador do Império e Marquês de Inhambupe, solicitou da rainha D. Maria I a criação de um hospital no Recife, com as cadeiras de anatomia e de cirurgia. O reino devolveu o documento mandando, como acontece sempre com a engasgada burocracia daqui e d’alhures, que se ouvisse a Câmara de Olinda e a idéia não prosperou. Não se sabe bem as razões especificas, senão que havia uma infrutífera disputa entre Olinda e Recife, como alude Leduar de Assis Rocha, em Instituição do Ensino Médico em Pernambuco, além dos entraves administrativos antes aludidos. Após a frustrada tentativa de se instalar na Província uma escola de medicina, sabe-se que o médico português José Eustáquio Gomes fundara em dependências do Convento do Carmo, depois de despejados os frades, um Hospital Militar, com a finalidade de atender os feridos da intentona de 1817, a Revolução Republicana. Foi ai que o mesmo profissional criou uma Escola de Cirurgia Prática, formando o que se chamava à época de “práticos”, isto é, “cirurgiões” examinados por uma comissão ad hoc nomeada pela Câmara. Mas, o programa de formação dos “práticos” não foi além de 1828, mesmo assim prestou um relevante serviço à Província, haja vista ter formado um numero significativo de “cirurgiões” como tal examinados e reconhecidos. Por curiosidade, vale a pena uma referência interessante inserida no texto de Rocha, antes citado, o de que fora ali, no convento dos carmelitas, que se instalara a Sociedade de Medicina de Pernambuco, em 1841, presidida por Antônio Peregrino Maciel Monteiro. “De ensino médico não mais se cogitou.” complementa Leduar de Assis Rocha.
Em 1840 o então governador Francisco do Rego Barros, posteriormente Conde da Boa Vista, criou uma Cadeira de Arte Obstétrica, privativa de mulheres, sob a direção do Dr. Simplício Antônio Mavingner, que gozava da fama de ser o melhor parteiro da cidade. A medida teve a finalidade de disciplinar o exercício profissional, em função do grande número de curiosas que partejavam no Recife. Sendo assim, tão logo foram formadas as primeiras parteiras, passou-se a exigir o registro não apenas destas, mas de médicos, cirurgiões e farmacêuticos. Talvez tenha sido a iniciativa, datada de 1849, o primeiro esforço de disciplinamento profissional em terras pernambucanas. É interessante o comentário que faz o mesmo Leduar de Assis Rocha, tantas vezes citado, o de que essa Aula, como chama, despertou o interesse pela leitura de alguns livros, tais como: O Manual das Parteiras, o Guia Médico das Mães de Família, de Imbert e o Dicionário de Medicina Popular, do Dr. Chernoviz. Mais interessante é afirmar que há quem ainda se lembre de ter ouvido alusões a esses compêndios; alusões por parte de avós ou por parte de mães que haviam lido e tomado lições nos antigos manuais. É que os avanços e o desenvolvimento no passado foi mais lento, mais espaçado, diferente dos dias de agora, quando as mudanças e as transformações acontecem em poucos anos ou em alguns meses apenas. O Curso também se extinguiu quando faleceu Mavigner, em 1856. Só em 1895 o germe do ensino outra vez aparece e o governo, liderado por Barbosa Lima, um homem empenhado com a instrução pública, mandou à Câmara dos Deputados um novo projeto. O plenário aprovou a iniciativa, mandando ao Senado, o que muito alegrou o médico Octávio de Freitas, nascido no Piauí, mas um entusiasta pelas coisas de Pernambuco. Ali, entretanto, no Senado, o médico Constâncio Pontual declarou-se contrário e fez uma argumentação tal que o projeto de Nº. 111 foi rejeitado. Resta um relato a mais, de outra tentativa inútil, aquela da proposta feita no I Congresso Médico Pernambucano, em 1909; proposta de criação da tão sonhada escola, mais uma vez rejeitada, depois da argumentação de Arnóbio Marques e Joaquim Loureiro.
Mas mesmo assim, o século XX chegou trazendo a esperança e contando com a perseverança de um homem do porte de Octavio de Freitas, natural do Piauí, mas obstinadamente voltado para a criação em Pernambuco de uma Faculdade de Medicina; Faculdade que fez mudar muita coisa nos ares do Estado. Fomentou o desenvolvimento do conhecimento, fez nascer o espírito do aperfeiçoamento, dando um tom cientifico a tudo, o que não era habitual e estimulou o surgimento de hospitais e laboratórios. Faculdade, ainda, que espalhou médicos pelo Nordeste inteiro, sendo fácil encontrar-se um facultativo nas capitais todas da Região, quando em visitas formais ou em férias. São essas as justificativas e as explicações que Aníbal Bruno reuniu no Prefacio que escreveu ao livro de Octávio de Freitas – História da Faculdade de Medicina do Recife – 1895 a 1943 -, apontando motivos para o autor produzir uma história em tão pouco tempo de existência. Essa verdadeira metamorfose que se passou com a fundação da escola, com a implantação de um novo espírito, o espírito científico, que preside as decisões bem fundamentadas e as iniciativas calcadas no juízo e na prudência. Precedeu a criação da Faculdade, a instalação da Escola de Farmácia do Recife, a 10 de maio de 1903. A nova instituição de ensino, à falta de uma sede, passou a funcionar na Escola de Engenharia, iniciando-se as aulas pelas 3 da tarde, depois que terminava o turno da casa-mãe. O Dr. Arnóbio Marques foi o primeiro Diretor, seguido pelo Euzébio Martins Costa que deu um grande impulso desvinculando o estabelecimento de ensino da benemérita associação: a Sociedade Propagadora da Instrução Pública. Mas, o grande feito para a medicina pernambucana foi a reunião da congregação da Escola de Farmácia a 5 de outubro de 1914, quando se decidiu pela criação de uma Faculdade de Medicina, sendo eleito Diretor o Prof. Octávio de Freitas, lugar, aliás, que chegou a acumular com a direção também da Escola. Foram designadas várias comissões para cuidarem da instalação, implantação e finalmente implementação do empreendimento. Mas, foi a 5 de abril de 1915 que se deu a primeira reunião da congregação, a qual foi eleita por aclamação, segundo o detalhamento que se segue, conforme o próprio Octavio de Freitas:
Hermano Brandão – Física; Martins Costa – Química; Alfredo Medeiros – História Natural; Edgar Altino – Anatomia; Arsênio Tavares – Histologia; Mário Ramos – Patologia Geral; Anatomia e Histologia Patológicas; Vieira da Cunha – Fisiologia; Octavio de Freitas – Microbiologia; Selva Junior – Terapêutica Geral; especial e clínica e arte de formular; Regueira Costa – Farmacologia e Matéria Médica; Constancio Pontual – Higiene; Ascânio Peixoto – Medicina Legal; Alfredo Costa – Anatomia Médico-Cirúrgica; Paulo de Aguiar – Operações e Aparelhos; João Marques – Clínica Médica; João Amorim – Clínica Médica; Arnobio Marques – Clínica Cirúrgica; Frederico Cúrio – Clínica Cirúrgica; Bandeira Filho – Clínica Obstétrica; Tomé Dias – Clínica Ginecológica; Soares de Avelar – Clínica Oto-Rino-Laringologica; Inácio d’Ávila – Clínica Pediátrica; Gouveia de Barros – Clínica de Moléstias Nervosas; Alcides Codeceira – Clínica Psiquiátrica; Francisco Clementino – Clínica Sífilo-dermatológica; Souto Maior – Clínica das Vias Urinarias.
A Faculdade, depois dessa primeira reunião da Congregação, da nomeação dos catedráticos e da eleição do Diretor – o Prof. Octávio de Freitas – passou um período de certa latência, isto é, sem que manifestação alguma denunciasse o ato e o fato desse excepcional feito. Mas, em 1920, com o aceno do Ministro do Interior (Dr. João Luiz Alves) de que se fosse criada e instalada uma Faculdade de Medicina no Recife, seria também fundada uma universidade, o ideário da instituição foi resgatado. Tendo o Governador de então, Dr. José Bezerra, entrado em contacto com Octávio de Freitas a propósito, soube de sua iniciativa e da existência de uma escola de medicina desde o ano de 1915. Com esse estimulo novo, uma segunda reunião da Congregação foi realizada a 4 de maio de 1920, às 13 horas, sob a presidência do Diretor antes já aludido e dentre outras providencias, considerando-se o falecimento de alguns dos professores fundadores, uma nova Congregação foi organizada. Ficando assim a distribuição das cátedras, segundo está na Historia da Faculdade de Medicina – 1895 a 1943:
Oscar Coutinho – Física Médica; Raposo Pinto – Química Médica; Alfredo Medeiros – História Natural Médica; Luiz de Góes – Anatomia Descritiva; Monteiro de Morais – Histologia; Gilberto Fraga Rocha – Fisiologia; Octávio de Freitas – Microbiologia; Selva Junior – Terapêutica Clínica e Experimental e Arte de Formular; Mário Ramos – Patologia Geral; Regueira Costa – Farmacologia; Alfredo Costa – Anatomia Médico-Cirúrgica e Operações; Costa Carvalho – Higiene; Ascânio Peixoto – Medicina Legal; João Marques - Clínica Médica, 1ª Cadeira; João Amorim – Clínica Médica, 2ª Cadeira; Edgar Altino – Cínica Médica, 3ª Cadeira; F. Simões Barbosa – Clínica Médica, 4ª Cadeira; Arnobio Marques – Clínica Cirúrgica, 1ª Cadeira; Frederico Cúrio – Clínica Cirúrgica, 2ª Cadeira; Paulo de Aguiar – Clínica Cirúrgica, 3ª Cadeira; Bandeira Filho – Clínica Obstétrica; Tomé Dias – Clínica Ginecológica; Isaac Salazar – Clínica Oftalmológica; Artur de Sá – Clínica Oto-Rino-Laringológica; Lins e Silva – Cínica Pediátrica e Higiene Infantil; Inácio d’Ávila – Clínica Pediátrica Cirúrgica e Ortopédica; Francisco Clementino – Clínica Dermatológica e Sifilográfica; Ulisses Pernambucano – Clínica Psiquiátrica; e Gouveia de Barros – Clinica Neurológica.
Por deliberação da congregação foram nomeados professores substitutos das secções de Ginecologia e Cirurgia, os drs. Arsênio Tavares e Souto-Maior, respectivamente.
Nesse elenco inicial algumas substituições foram feitas, à semelhança do Dr. Ulisses Pernambucano, para cuja disciplina, a de Psiquiatria, foi nomeado o Dr. Alcides Codeceira, considerada a precedência da reunião de 1915, mas à vista de uma carta de renúncia do primeiro. O Dr. Ulisses Pernambucano, porém, foi logo designado professor substituto da secção de Clínica Neurológica e Psiquiátrica. De igual forma o Dr. Monteiro de Morais, pelo nome do Dr. Arsênio Tavares, do elenco anterior, mas, da mesma maneira, à vista de uma carta pedindo o desligamento e manifestando o interesse de se candidatar mais tarde a concurso para substituto em Ginecologia. A cadeira de Anatomia e Fisiologia Patológicas, ainda não preenchida, foi ocupada pelo Dr. Armando Gaioso. Assim estava constituído o corpo docente da Faculdade de Medicina do Recife, a qual, em 16 de julho de 1920 abriu o ano letivo com uma aula magna de Octávio de Freitas, seu fundador e seu patrono. Formou a primeira turma, inicialmente, com 15 alunos em 24 de dezembro de 1925, constituída dos seguintes concluintes: Porfírio de Andrade Sobrinho, Benedito Alves de Carvalho, Aníbal Bruno de Oliveira Firmo, João da Silva Correia de Oliveira Andrade, Argemiro Costa Filho e Antonio Inácio de Barros Ribeiro. Seis alunos chegaram ao final do curso. Outra grande realização do empreendedor Octavio de Freitas, homem arrojado e persistente, sobretudo corajoso, foi a construção do prédio da Faculdade. A instituição funcionara na Escola de Engenharia, depois na Rua do Riachuelo, na esquina com a 7 de Setembro e estava na Barão de São Borja quando surgiu a necessidade imperiosa de se dispor de uma sede. Foram várias as tentativas, como aquela de um edifício destinado a uma maternidade que não prosperara, na rua Oswaldo Cruz, o qual já nos acertos finais não obteve a concordância do Dr. Amaury de Medeiros, recentemente chegado do Rio de Janeiro para ocupar o Departamento de Saúde Pública. Ou aquela nesga de terreno no Jardim 13 de Maio, indeferido, também, pelo Prefeito do Recife. Finalmente, o Governador Sérgio Loreto, sensível à iniciativa, cedeu o terreno na esplanada do Derby. A planta do novo prédio foi feita pelo arquiteto Giacomo Palumbo e o edifício levantado às custas dos honorários doados pelos professores e a partir de empréstimos, inteiramente pagos depois, à Liga Pernambucana Contra a Tuberculose e ao Coronel Mendo Sampaio.
E a Faculdade, em seu belo estilo colonial de sempre, permaneceu ali, individualizada, na esplanada do Derby, como chamava Octávio de Freitas, durante bom tempo, entre 21 de abril de 1927, quando foi inaugurada, e 19 de janeiro de 1958, data na qual foi transferida para o Campus Universitário, 31 anos precisamente. Formou 31 turmas, equivalendo a 2704 profissionais, dos quais 295 eram do sexo feminino. Promoveu 27 concursos de cátedra e 87 para docência livre, dos quais 25 se reuniram e fundaram a Faculdade de Ciências Médicas, da Universidade de Pernambuco, como está em artigo de Salomão Kelner: Restauração do Prédio da Antiga Faculdade de Medicina. Foi ainda no edifício original que a instituição de ensino ganhou a chamada equiparação, a 27 de julho de 1928, que foi incorporada à Universidade do Recife, em 11 de agosto de 1946 e terminou sendo federalizada, em 16 de dezembro de 1949. Transferiu-se a Casa de Octávio de Freitas para o Campus, como se viu, para oferecer melhores condições de ensino e pesquisa, como realmente aconteceu. A organização das universidades, todavia, mudou e as faculdades foram extintas, criando-se os centros acadêmicos, desaparecendo com isso a Faculdade de Medicina do Recife, em 1976, quando passou a se intitular Curso Médico simplesmente, funcionando no Centro de Ciências da Saúde. Nos colegiados, defende Salomão Kelner, na introdução que escreve ao livro História da Faculdade de Medicina – 1915-1985, os representantes do Curso Médico tratam de assuntos que não entendem ou que estão fora de suas competências, em prejuízo do aprofundamento maior naquilo que os diz respeito. De outra parte, a complexidade dos temas bloqueiam o desenvolvimento de outros cursos do Centro. Por isso, ele clama pela restauração da condição anterior: a da Faculdade de Medicina.
Um dos grandes defensores deste resgate foi o médico Fernando Figueira, fundador do IMIP e da Academia Pernambucana de Medicina, em cujos anais publicou uma carta que encaminhou ao Magnífico Reitor Prof. Paulo Maciel, fazendo igual pedido, apelando para o alto espírito universitário da autoridade acadêmica e invocando o caso da Faculdade de Direito, com a individualidade mantida, preservada. Obteve um parecer de quase concordância do Reitor, que ficou de se voltar para o problema tão logo fosse homologado o regimento. Mas, não se voltou e tempo também não houve. Figueira nunca descuidou da tradição que a individualidade trazia, da valia e da importância de se ter o programa de graduação em separado, haja vista as especificações da carreira médica. É difícil, pode-se depreender, um profissional de origem diferente ensinar, por exemplo, anatomia ou histologia, bioquímica ou biofísica, porque a necessária relação com a prática clínica não se faz e não se pode fazer; não se pode, na verdade, exigir isso de veterinários, nutricionistas, farmacêuticos, fisioterapeutas ou terapeutas ocupacionais, como não