XV Congresso Brasileiro da História da Medicina e o Conselheiro José Correa Picanço (ícone do ensino médico no Brasil)

21/06/2011 19:44

 

1808 

            O Conselheiro José Correa Picanço, depois Barão de Goiana, convencera, finalmente, o Príncipe Regente, da necessidade de criar no Brasil uma escola de cirurgia. A Carta Régia, assinada por D. João em 18 de fevereiro de 1808, quando de sua passagem pela Bahia, após a fuga de Portugal ameaçado pelas tropas de Napoleão, possibilitou a José Correa Picanço, Cirurgião-Mor do Reino e principal Conselheiro do Regente em Assuntos de Saúde e Higiene Pública, nomear à 23 de fevereiro de 1808, Manoel  José Estrela e José Soares de Castro, professores da Escola de Cirurgia, que funcionaria no Hospital Real Militar da cidade de Salvador. Estava, assim, criado oficialmente o ensino médico no Brasil.

 

GOIANA 

            Corria o ano de 1745... Naquela pequena cidade de Goiana, na então Capitania de Pernambuco, Francisco Corrêa Picanço, cirurgião-barbeiro, atendia aos seus clientes na pequena loja térrea com janelas e portas dando para a rua. Nas paredes viam-se gravuras de santos e cromos. Nos fundos um tabique mal escondia um velho deitado, após ter sido sangrado. Na parte de frente da sala outras pessoas, enquanto aguardavam para serem atendidas, olhavam curiosas e medrosas os armários e prateleiras com tesouras, navalhas, pedra de amolar, lancetes, numerosos potes cheios de unguento, além de velas e candieiros que serviam tanto para iluminar, como para aquecer as ventosas. Todavia, o que mais assustava aquela gente sofredora eram as “bichas” ou sanguessugas, importadas da Europa e que ficavam em recipientes com água e pouco alimentadas, apenas Ieite e açúcar de quando em quando, para assim esfomeadas sugarem à vontade, quando aplicadas. Em outros pontos do Brasil, cirurgiões-barbeiros, em lojas semelhantes a esta de Corrêa Picanço exerciam a sua profissão.

            Os primeiros cirurgiões-barbeiros que aqui chegaram foram portugueses e castelhanos, na maioria judeus, que vieram motivados pela perseguição religiosa, principalmente depois que Portugal ficou sob o domínio de Felipe ll. A Inquisição foi a principal causa da vinda para o Brasil daqueles primeiros profissionais de medicina

            O cirurgião-barbeiro para exercer legalmente a profissão precisava ter “Carta”, isto é, submeter-se a exame, entretanto, a grande maioria dos barbeiros daquela época, apenas praticavam com outro barbeiro e se estabeleciam. A loja do barbeiro foi nos primeiros séculos do Brasil colônia o verdadeiro consultório médico-cirúrgico. Da mesma forma que a botica, a loja do barbeiro era centro de reuniões para conversas e jogos. Assim, naquele anoitecer, os amigos de Francisco, já vinham chegando para as conversas habituais, entretanto, para o cirurgião barbeiro, cansado pela árdua luta profissional, aquele 10 de novembro de 1745 era um dia especial, como seria, também, mais tarde, para toda a medicina brasileira.

            Francisco Corrêa Picanço fitava o recém-nascido... Seria certamente o seu sucessor, pensava ele, cedo, teria o filho ao seu lado, aprendendo a arte de curar. Francisco Corrêa Picanço continuava fitando o recém-nascido. Todavia, jamais poderia imaginar que estava diante de seus olhos, não apenas o seu filho que acabara de nascer, mas também o futuro fundador do ensino médico no Brasil.


FRANCISCO E JOSÉ

            Francisco e José, como bons andarilhos que eram, caminhavam rapidamente, lado a lado, pois a casa do fidalgo era distante e precisavam voltar a tempo de abrir a loja. Os funcionários, os fidalgos e a burguesia eram sempre atendidos em suas residências, nunca vinham à loja. José gostava muito daquelas visitas, pois durante as longas caminhadas o pai falava sempre da terra distante, onde se formavam os cirurgiões. Desejava ir Iá, na volta ajudaria o pai muito mais ainda.

            O atendimento ao enfermo terminara. Francisco e José, no regresso, caminhavam novamente lado a lado. Francisco olhava para o filho. José sorria. Aquele rostinho alegre numa criança que acordara de madrugada, preparara todo o material necessário ao atendimento, auxiliara o pai no trato com o enfermo e ainda respondia ao seu olhar com um sorriso, fazia Francisco sentir que aquele menino não seria, apenas, um simples cirurgião-barbeiro. O entusiasmo de José pela arte de curar, a sua fé no futuro, o seu desejo de aprender, o seu amor ao trabalho e o lado humano de sua personalidade no trato com o enfermo, faziam com que o entusiasmo pelo filho crescesse mais ainda. José caminhava com passos firmes e rápidos. Francisco olhava para o filho. José continuava sorrindo. Francisco já não via mais o filho caminhando por estradas poeirentas, no seu devaneio o via caminhando com passadas largas e serenas em avenidas floridas, não mais ao seu lado, mas sim ao lado de Manuel Constâncio, o príncipe da cirurgia portuguesa da época.

           

L I S B O A

            José vivia, então, em Recife com a família, que havia se transferido da Aldeia para a sede da Capitania. O menino se transformara em homem. Contando, agora, 21 anos, José substituira o pai no exercício da cirurgia. Naquela época notara-se o início da valorização dos profissionais da medicina, que no primitivo Brasil colonial, não eram bem situados na hierarquia dos valores da Terra. Todavia, a chegada ao Brasil de portugueses e brasileiros formados, principalmente em Edimburgo, então o mais famoso centro científico da Europa, dera à medicina brasileira, pelos meados do século XVlll em diante, um sensível adiantamento sob todos os aspectos. O progresso, então, observado na ciência médica fazia crescer o entusiasmo de Corrêa Picanço pela profissão. O seu talento já se fazia notar, tanto assim, que Vila Flor, governante da província o nomeara Cirurgião do Corpo Avulso de Oficiais de Ordenança das Estradas e Reformados.

            Decorria o ano de 1766... José sentia a necessidade de mergulhar na cultura européia e assimilar os conhecimentos científicos dos centros mais adiantados. Assim, logo, se transfere para a metrópole, onde se matricula na Escola Cirúrgica do Hospital S. José. Inicia-se a Fase decisiva de sua vida profissional. Ali teve como mestre Manuel Constâncio, a mais ilustre figura da cirurgia lusitana da época. Ao fim de brilhante curso licencia-se José Corrêa Picanço. O jovem brasileiro desejava aprender mais e assim foi envolvido por uma nova ambição: a idéia de um curso de aperfeiçoamento em Paris, apoderou-se de seu espírito. Manuel Constâncio, sabedor dos desejos do jovem e brilhante licenciado, indicara seu nome. Teria, então, no centro mais culto da época professores como Sebatier, Desault e Moraud, sublimes mestres da arte de curar.

 

P A R I S

            A viagem para Paris prosseguia. A França vivia a época de Luis XV. Corrêa Picanço lembrou-se de Versalhes, o suntuoso palácio construído por Luis XIV, o poderoso monarca do absolutismo francês. Ali vivia Luis XV, cuja política vinha sendo desastrosa para a França. A participação inútil em conflitos europeus motivara a perda das colônias da Índia e do Canadá. A corrupção alastrava-se. A favorita Mme. du Barry reinava. A reação surgia. Forte corrente de opinião pública exigia liberdade política e econômica O reinado de Luis XV transformava-se no berço da revolução francesa. Todavia, apesar do ambiente de insatisfação popular, a França vivia um período de grande desenvolvimento cultural e científico Rousseau, Voltaire e Bernardino de Saint-Pierre e muitos outros faziam da França o grande centro cultural da época. Estávamos em 1767... José Corrêa Picanço mostrava-se empolgado. O convívio com os grandes mestres da medicina francesa  Desaulf, Sebatier e Moraud, consolidava os seus conhecimentos cirúrgicos adquiridos com Manuel Constâncio. Em 1768 conquista o título almejado: “Officier de Santé”.

            José Corrêa Picanço, filho de modesto cirurgião-barbeiro, nascido em aldeia colonial, com o seu amor a ciência, supera os obstáculos, estuda na metrópole e agora ei-lo clinicando em Paris, ao lado dos luminares da medicina mundial. Todavia, não se encontrava mais só, ao seu lado, aumentando o seu entusiasmo, estava Catarina a filha do seu grande mestre Sebatier, que se tornara sua esposa. A França não era, todavia, o seu destino. A história da medicina exigia o seu regresso a Pátria. A sua volta em 1772 a Lisboa era praticamente o início de seu retorno a terra natal para o encontro com o destino grandioso que o futuro lhe reservava.

 

RETORNO A LISBOA

            Encontrava-se Corrêa Picanço clinicando em Lisboa, quando fora nomeado em 5 de outubro de 1772 “Demonstrador da Cadeira de Anatomia da Universidade de Coimbra”  em ato assinado por Sebastian José de Carvalho e Mello e o Marquês de Pombal. Homem da confiança de D. José l, de quem era Ministro, o Marquês de Pomba vinha governando Portugal com mãos de ferro. Apesar de certa violência, que julgava necessária para esmagar os focos de resistência, a sua diretriz de governo procurava imprimir, ao país, um sentido de restauração nacional. Assim modificações profundas foram introduzidas no comércio, na indústria e na agricultura. Lisboa destruída parcialmente pelo terremoto de 1755 fora reconstruída. O exército sofreu profunda reorganização. Criou-se a lmprensa Régia. O Marquês de Pombal foi, entretanto, antes de tudo o grande reformador do ensino em Portugal. Foi nesse ambiente de profunda modificação no sistema educacional que Corrêa Picanço, assumiu as suas funções na Universidade de Coimbra. Todavia forte oposição encontrara da Congregação da Escola. Faltava-lhe o “Diploma em Medicina” o título de “Officier de Santé” não era suficiente, dava apenas o direito de clinicar, afirmavam. Era preciso prosseguir. Corrêa Picanço não desanimou. O destino o esperava para a sua grande obra. Parte, então novamente para Paris, realiza o curso de medicina e defende tese perante a Congregação da Universidade de Paris. Regressa a Coimbra em 1779 e reinicia a sua carreira de professor que havia sido interrompida. Agora em plano de igualdade com os demais professores da Universidade.

O Catedrático de Anatomia era o italiano Luiz Cichi que, todavia, com o seu ensino puramente técnico não vinha correspondendo e fora, então, afastado do cargo. José Corrêa Picanço passou a ocupar a cadeira como professor substituto, permanecendo nesta categoria até 1779, quando com o pedido de demissão de Luiz Cichi tornou-se novo Catedrático de Anatomia. Seguiram-se 18 anos de dedicação ao ensino da matéria. Coube a Corrêa Picanço o grande mérito de ser o reformador do ensino da anatomia em Portugal. Sob a sua orientação os velhos métodos puramente teóricos foram substituídos por aulas práticas. Pouco depois de jubilar-se em 1790, Corrêa Picanço é nomeado Primeiro Cirurgião da Real Câmara. Grande honraria o aguardava ainda em Portugal. O menino pobre, nascido em aldeia colonial, filho de simples cirurgião-barbeiro e que sonhava em estudar na Metrópole e na volta ajudar o pai, ainda mais, é agora Cirurgião-Mor do Reino. O regresso a Pátria se aproximava. José Corrêa Picanço estava preparado para o seu grande destino.

 

REGRESSO A PÁTRIA

            Era então José Corrêa Picanço membro da “Real Junta do Protomedicato” órgão criado por D. Maria I e que controlava todas as atividades referentes a medicina no reino e nas colônias. Com o agravamento do estado de saúde da rainha, que vinha apresentando distúrbio mental, convocou-se uma junta, para um pronunciamento oficial a esse respeito. O laudo médico que assinalaria o fim de um reinado, contava entre ilustres assinaturas a de José Corrêa Picanço. Dom João, filho de D. Maria I e de Pedro III, passou então a exercer a Regência. 

            Portugal vivia um dos períodos mais agitados de sua história. Napoleão Bonaparte havia assinado com a Espanha, em Fontainebleau, um tratado pelo qual Portugal seria rlscado do mapa da Europa. Assim em 28 de novembro de 1807, ante as ameaças das tropas chefiadas por Junot, D. João, com quinze mil portugueses, partia para o Brasil. 

            Ao lado da história de Portugal caminhava paralelamente a história da medicina no Brasil. José Corrêa Picanço, juntamente com o Príncipe Regente na qualidade de médico, de amigo e médico da Câmara, regressa à Pátria. 

            Imagens um tanto apagadas pelo tempo voltavam a sua memória; lembrou-se quando, ainda menino, iniciara-se como aprendiz de cirurgião-barbeiro na loja do pai. Parecia ouvir novamente Francisco falando de Manuel Constâncio o notável cirurgião da Metrópole. Olhava sorrindo para o pai que também respondia com um sorriso; lembrou-se depois de sua vida em Paris. Os grandes mestres franceses com quem convivera, Sebatier, Desault, Moraud, voltavam a sua lembrança. Depois o seu retorno a Portugal, as dificuldades encontradas e o seu novo curso em Paris. As cenas continuavam a desfilar por sua memória. Recordou-se de seu casamento com Catarina, a filha de seu grande mestre Sebatier; As suas imagens passaram a ficar misturadas, com saudade; foi aí que Corrêa Picanço tomou consciência do seu grande destino, a ocupação de Portugal pelos franceses, impossibilitaria a ida de jovens brasileiros para estudar na Metrópole. Precisava nascer o ensino médico no Brasil. Não poderia mais voltar atrás Corrêa Picanço, teria que cumprir o seu destino histórico. Começou então a convencer o Regente da necessidade de criar uma Escola de Cirurgia na nova sede do reino. 

            Diz-se que violento temporal na altura da Ilha da Madeira dividiu em duas a frota e assim a 24 de janeiro de 1808, a parte mais numerosa e que vinha o Príncipe Regente chegou à Bahia.  

            Em plena força física e mental, com um vasto conhecimento médico adquirido com os grandes mestres, ao lado de uma enorme experiência no ensino resultante do longo período de professor em Coimbra e principalmente com a personalidade lapidada pelos elevados cargos que exercera na Côrte, José Corrêa Picanço havia regressado a Pátria.

 

NASCE O ENSINO MÉDICO NO BRASIL

            Em 17 de junho de 1782, D. Maria l criou a “Junta do Protomedicato”, após extinguir os cargos de Físico e Cirurgião-Mor do Reino, designando os seus ocupantes membros natos daquela junta. Entretanto, logo ao chegar à Bahia o Príncipe Regente restabeleceria aqueles cargos nomeando para Físico-Mor Manoel Vieira da Silva e cabendo a José Corrêa Picanço a recondução ao cargo de Cirurgião-Mor que havia ocupado antes da transferência da sede do Reino para o Brasil.

            Finalmente a 18 de fevereiro de 1808, D. João, o Príncipe Regente assinou a Carta Régia que criava o ensino médico no Brasil. Este documento foi endereçado ao Governador da Bahia VI Conde da Ponte. 

      

      “Ilmo. e Exmo. Sr.

            Príncipe Regente, nosso senhor, anuindo à proposta que lhe fez o Dr. José Corrêa Picanço, cirurgião mór do reino e do seu conselho sobre a necessidade que havia de uma escola de cirurgia no hospital real desta cidade, para instrução dos que se destinam ao exercício desta arte, tem cometido ao sobredito cirurgião-mór a escolha dos professores que não ensinem a cirurgia propriamente dita, mas a anatomia como bem essencial dela, e a arte obstetrícia, tão útil como necessária. O que participo a V. Exa. por ordem do mesmo senhor, para que assim o tenha entendido e contribua para tudo o que for promover este importante estabelecimento.

            Deus guarde a V. Exa.

            (a) llmo. e Exmo. Sr. Conde da Ponte, D. Fernando José de Portugal”.

 

            Estava assim fundado o ensino médico no Brasil. José Corrêa Picanço cumprira o seu destino.

 

            Manuel José Estrela e José Soares de Castro foram os primeiros professores nomeados para a recém criada Escola Médico-Cirúrgica na Bahia. Estrela, cirurgião baiano, nascido em 1760, que havia estudado em Lisboa e que ao regressar ao Brasil desempenharia a função de Cirurgião-Mor do Hospital Militar da Bahia ocuparia a Cadeira de “Cirurgia Especulativa e Prática” e Soares de Castro, cirurgião português de grande experiência fora nomeado para a cadeira de “Anatomia e Operações Cirúrgicas”. 

            Juntamente com a nomeação recebera Estrela as instruções que lhe foram dadas por Picanço, conforme o texto original abaixo: 

            “O professor lerá um livro, em que fará o assento da matrícula de seus praticantes declarando o nome, filiação, naturalidade, dia e mês da dita matricula. Não admitirá praticante sem ter conhecimento de Francês; pagará de matrícula 6$400 ao seu professor. As lições teóricas se darão em uma sala do Hospital Militar, onde haverá uma cadeira e para o lente, uma mesa e bancos para os alunos. As práticas sobre cada um dos objetos cirúrgicos se farão em uma das enfermarias, que lhes será franqueada duas vezes por semana, sem contudo fazer reflexões a cabeceira dos doentes, mas sim na sua respectiva sala, pois que o curativo cirúrgico  pertence ao cirurgião-mor do Hospital, que só para isso tem atividade. Pelo que é essencialmente necessário que haja boa inteligência entre ambos professores, para que a discórdia não perturbe o importante objeto do ensino público. O professor de cirurgia dará lições no verão às 7 hs. da manhã, no inverno pelas 8, as quais durarão hora e meia, três quartos para tomar as ditas lições explicadas no dia anterior, e outras três para a nova explicação. Às quintas-feiras são feriados. Todos os sábados haverá repetição geral do que se tem ensinado na semana, e o professor será obrigado a dissolver (resolver) as (questões) que forem propostas pelos seus praticantes e feitas de um modo respeitoso e sem animosidade, e com o fim somente de se instruir, pois que de outra sorte será pela primeira e segunda vez admoestado, e pela terceira excluído da aula. Os praticantes serão obrigados a sua respectiva aula e se por moléstia faltarem as lições darão parte ao professor para o não apontar legalizando a falta ou faltas com certidão do seu médico ou cirurgião assistente; e se porém a moléstia for de longa duração e tal que o obrigue a fazer 60 faltas, perderá o ano. Vinte faltas por negligência farão igualmente perder o ano. O professor de cirurgia dará as suas lições pelos princípios de Cirurgia de M. de La Fay. Este compêndio, assas luminoso, mereceu a contemplação dos sábios da Europa abrangendo todas as partes da Cirurgia, é o mais apto para o ensino público, porque depois que este abalizado escritor publicou a sua obra se adiantaram mais os conhecimentos da arte, cujos conhecimentos se acham dispersos em obras e coleções acadêmicas, o professor colherá nelas o que for mais conveniente, para melhor instrução de seus discípulos. O curso cirúrgico deve durar quatro anos. É de lei, os quais terminados poderão passar as certidões competentes, declarando se o aluno está capaz de fazer o seu exame e de dignamente encarregar-se da saúde pública e tudo com juramento dos Santos Evangelhos, e por cada uma certidão receberá 1$400 réis. O Príncipe Regente que benignamente anuiu a representação que lhe fiz relativamente ao ensino da anatomia e cirurgia espera que dos professores nomeados o desempenho deste importante estabelecimento”. 

            Aos vinte e seis dias de fevereiro de 1808 a frota real partia com destino ao Rio de Janeiro; José Corrêa Picanço, já então fundador do ensino médico no Brasil, fazia parte da comitiva real.

 

 

REPOUSA O BARÃO 

            Vivia José Corrêa Picanço no Rio de Janeiro, que era, então, a sede da monarquia, onde além das funções de Cirurgião-Mór exercia a sua clínica. Possuidor de sólidos conhecimentos médicos, ao lado de vasta experiência adquirida no exercício dos elevados cargos que ocupara na Europa, tornara-se respeitado pelos colegas e estimado pela vasta clientela que possuía. Corrêa Picanço além de clínico e cirurgião notável era um exímio parteiro, tendo sido mesmo o primeiro a praticar com êxito a cesariana no Brasil. Entre a sua clientela encontravam-se personalidades das mais ilustres: D. Leopoldina fora assistida por ele durante o nascimento de D. Maria da Glória. D- Maria I teve em Corrêa Picanço um competente e dedicado médico a sua cabeceira durante toda a sua enfermidade. Em 26 de março de 1821 foi-lhe outorgado o título de Barão de Goiana e finalmente em 1824 o nome de José Corrêa Picanço que contava 79 anos deixou de figurar nas “folhas dos ordenados”. Chegou assim ao fim de sua missão, aquele menino que, cedo iniciara-se ao lado do pai no aprendizado da cirurgia e que após demonstrar as suas aptidões para a  nobre profissão, Iicencia-se em Portugal, retorna a Coimbra na qualidade de professor, reforma o ensino da anatomia em Portugal, exerce as funções de Cirurgião-Mór do Reino, integra a Real Junta do Protomedicato, retorna a Pátria e funda o ensino médico no Brasil.

            O XV Congresso Brasileiro da História da Medicina está marcado. Estão todos convidados para 6, 7, 8 e 9 de outubro, na Academia Nacional de Medicina participarem do nosso evento com todas as atividades que em breve serão  amplamente divulgadas.