SARS: Primeira Epidemia da História do Século XXI

22/06/2011 23:26

SARS: PRIMEIRA EPIDEMIA DA HISTÓRIA DO SÉCULO XXI

SARS: THE FIRST EPIDEMIC OF THE HISTORY OF CENTURY XXI

         Aline Viana Carvalho Amorim Paula Parreira Furtado

Monografia desenvolvida como requisito para o
“Prêmio Carlos da Silva Lacaz” de Monografias
sobre História da Medicina promovido pela
Sociedade Brasileira de História da Medicina.
 

RESUMO
 
A SARS (Severe Acute Respiratory Syndrome – Síndrome Respiratória Aguda Grave) foi a primeira pandemia do século XXI. Teve início em novembro de 2002, na China e em poucos meses se espalhou para mais de 26 países nos cinco continentes. Mais de 8000 pessoas adoeceram e cerca de 744 faleceram, sendo que, muitas destas eram profissionais de saúde. A doença assustou toda a população mundial. Medidas de controle epidemiológico foram rigorosamente empregadas e, após alguns meses, a epidemia começou a ceder. Sabe-se hoje que a SARS é uma infecção que acomete principalmente o trato respiratório, causada por um novo vírus, chamado SARS-CoV. Esta pandemia marcou a história da humanidade e deixou importantes lições. Nos últimos dois anos não houve registro de nenhum novo caso de SARS.  Ela deixou a história tão rápido quanto chegou.
 
ABSTRACT 
 
SARS (Severe Acute Respiratory Syndrome) was the first pandemic of XXI century. It begun in November of 2002, at China and in a few months disseminated for more than 26 countries in the five continents. More than 8000 people got sad and about 744 died; many of them were heath care workers. The disease scared all the world population. Rigorous epidemiologic control measures had been used and, after some months, the pandemic started to decline. Nowadays we know that the SARS is an infection that affects mainly the respiratory tract, caused by a new virus, the SARS-CoV. This pandemic marked the humankind history and left important lessons. There was no SARS cases reported in the last two years. It left the history as fast as it arrived.

 
            Foshan, Provícia de Guangdong, sul da China; este foi o cenário do início da primeira pandemia do século XXI. Foi em torno do dia 16 de novembro de 2002 que surgiram os primeiros casos do que parecia ser uma pneumonia atípica.4-6 A doença se espalhava rapidamente entre os familiares e cuidadores daqueles que adoeciam, sendo que de novembro  de 2002 a 9 de fevereiro de 2003 já existiam registros de 305 casos e cinco mortes decorrentes da desconhecida síndrome respiratória aguda.6 A China só notificou estes casos à Organização Mundial de Saúde (OMS) no dia 13 de fevereiro.
 
            Em 21 de fevereiro de 2003, um médico de Guangdong, que esteve tratando de alguns pacientes com a “pneumonia atípica”, viajou para Hong Kong. Ao chegar lá, ele já manifestava alguns sintomas da doença e contaminou, no mínimo, 12 pessoas. Estas, ao retornarem para seus países de origem, iniciaram a transmissão local e contribuíram para a disseminação da doença no Vietnã, Singapura e Toronto.5,11
 
            Aos 28 dias de fevereiro, Dr. Carlo Urbani (Fig.1), especialista em doenças infecciosas e oficial médico da sede vietnamita da OMS, foi chamado para avaliar um doente no Hospital Francês de Hanói, Vietnã. O paciente apresentou inicialmente febre alta, tosse seca, mialgia e dor de garganta. Após sua admissão, cerca de 20 profissionais de saúde do hospital apresentaram sintomas semelhantes. Vários testes diagnósticos para patógenos conhecidos apresentavam resultado negativo. Dr. Urbani, assustado pela gravidade da situação, notificou e alertou a OMS para a possibilidade do surgimento de uma nova doença.6,12,14
 
            Em 11 de março foi a vez de Hong Kong, onde 23 funcionários (incluindo médicos e enfermeiros) do Hospital Prince of Wales foram admitidos para observação. Oito deles já apresentavam sinais de pneumonia. Tudo indicava que profissionais de saúde constituíam grupo de alto risco de contágio da nova síndrome, que passou a ser chamada de SARS (Severe Acute Respiratory Syndrome; ou Síndrome Respiratória Aguda Grave).9
 
            Ainda no início de março, a OMS emitiu alerta global sobre a pneumonia misteriosa. O alerta incluía orientações a viajantes e profissionais da área da saúde que estivessem em áreas acometidas; estes deveriam estar atentos ao desenvolvimento de sintomas respiratórios.6,13
 
            A doença continuava se espalhando e novos casos começaram a ser notificados em Singapura, Beijing, Toronto, entre outras localidades, a maioria na região do pacífico ocidental. A situação era assustadora. Médicos e enfermeiros eram vistos com certo preconceito e medo pela sociedade, que se munia de máscaras e isolamento contra a peste que se alastrava (Fig.2). Escolas fecharam as portas, casamentos foram cancelados, aeroportos movimentados ficaram vazios e bolsas de valoras entraram em queda.2,11,14
 
            A OMS convocou então, 11 laboratórios em nove países do mundo para se juntarem em uma rede de pesquisa em prol da identificação do agente etiológico e desenvolvimento de um teste diagnóstico para a SARS. Os membros desta rede utilizavam a mais alta tecnologia e se comunicavam regularmente por teleconferências e por website. Trocavam informações em tempo real, amostras e reagentes visando acelerar as investigações.7
 
            Enquanto o agente ainda não era identificado, o diagnóstico baseava-se principalmente em sintomas clínicos e na exclusão de patógenos sabidamente causadores de infecções respiratórias. Os critérios foram estabelecidos pelo CDC (Centers for Disease Control and Prevention dos Estados Unidos) e pela OMS e incluíam: febre (maior que 38°C), tremores, calafrios, cefaléia, mal-estar, mialgia, tosse seca e dispnéia em pacientes residentes ou procedentes de áreas atingidas pela pandemia. Estes sintomas se associavam ou se sucediam. Radiografias de tórax, em sua maioria, evidenciavam infiltrados e consolidações. Achados laboratoriais incluíam leucopenia, linfopenia e trombocitopenia. Eram freqüentes, também, alterações em exames de função hepática e renal.5,7,9,15
 
            Foi proposto um tratamento empírico inicial para pacientes que apresentavam anormalidades na radiografia de tórax com cefotaxime e claritromicina (ou levofloxacin). O oseltamivir também era usado inicialmente, visando possível infecção viral. Caso a febre persistisse por mais de 48 horas e o hemograma demonstrasse leucopenia e/ou trombocitopenia era iniciada a administração de ribavirina associada a um corticosteróide.3,5,9 De todos os tratamentos propostos, nenhum obteve sucesso.
 
            Em 24 de março, cientistas anunciaram que um novo tipo de coronavírus havia sido isolado em um paciente com SARS.3,7 Distinto de todos os vírus da família coronavírus previamente conhecidos, foi denominado SARS-CoV (coronavírus relacionado à SARS).3 As pesquisas se intensificavam na tentativa de provar relação entre o novo vírus e a nova doença.
 
            Não havia sinais de controle da epidemia. Em 29 de março, a SARS vitimou seu descobridor, o Dr. Carlo Urbani.12 Em abril, ela continuou disseminando-se pelo mundo. A SARS parecia estar em seu apogeu.6 Em alguns locais da China quarentenas foram impostas, teatros, boates e outros locais de recreação foram fechados visando evitar aglomeração e conseqüente transmissão do vírus.6,14 Esta talvez tenha sido a medida mais eficaz de controle da epidemia.
 
            Em 16 de abril a OMS anunciou para o mundo que o SARS-CoV era mesmo o agente etiológico da doença, cumprindo a todos os postulados de Koch: 1) o patógeno deve ser demonstrado em todos os casos da doença; 2) o patógeno deve ser isolado do hospedeiro e crescer em cultura pura; 3) o patógeno isolado deve ser capaz de produzir a mesma doença em animais de laboratórios; 4) o patógeno deve ser demonstrado no animal de laboratório que foi inoculado (Fig.3).2,7
 
            O governo chinês ainda mostrava-se resistente em notificar seus casos. Em 27 de abril, foram notificados mais 3000 casos na China, em um único dia.13
 
            Em meados de maio, a doença começou a dar sinais de controle; as notificações de novos casos já não eram tão intensas e houve queda no número de mortes. As medidas de precaução tomadas pelos governos dos países em alerta mostravam-se de extrema utilidade e eram mantidas evitando que a doença retomasse forças.13
 
            Em 5 de julho, a OMS anunciou que a última cadeia de transmissão da SARS havia sido quebrada.6,13 Uma epidemia que deixou a história humana tão rápido quanto chegou.10
 
            Após a declaração do fim da epidemia a SARS reapareceu quatro vezes, sendo três delas relacionadas à falhas de biossegurança em laboratórios de pesquisa. Apenas um destes incidentes resultou em transmissão fora do laboratório, atingindo familiares do profissional contaminado, além de médicos e enfermeiros, com um total de nove casos e um óbito.13
 
            Existem, atualmente, fortes suspeitas de que a doença seja uma zoonose. O vírus foi provavelmente transmitido aos moradores de Guangdong por alguns animais (P. larvata e N. procynonoides) que são utilizados na culinária exótica desta região da China.8,10,11
 
            Pesquisadores já apresentaram à comunidade científica o genoma do SARS-CoV.4,7 Ter o sequenciamento genético completo deste vírus significa ter a base para traçar estratégias para o desenvolvimento de novas drogas antivirais e vacinas.11 Estudos ainda continuam sendo realizados em laboratórios de todo o mundo.1
 
            De novembro de 2002 a julho de 2003 um total de 8098 casos da doença com mais de 774 mortes foram notificados em 26 países do mundo.1,11,16 A SARS não somente marcou a sociedade, mas também deixou grandes lições para a comunidade científica. Aprendeu-se que notificar precocemente a ocorrência de uma epidemia é o melhor para toda a população mundial. A pandemia da SARS mostrou a fragilidade do mundo moderno e globalizado, que traz comodidades e conveniências, mas que deixa a população mundial vulnerável à disseminação de doenças como a própria SARS e a gripe.
 
            O surgimento de uma nova doença, em pleno século XXI, mostra que, apesar de todo avanço tecnológico, o homem ainda está exposto a doenças desconhecidas. A exploração desordenada da natureza pode trazer conseqüências desastrosas. Ao penetrar em novos habitat o homem pode se expor a novas doenças. A alteração do clima e destruição dos habitat podem provocar também a urbanização de doenças, levando-as para mais perto do homem. O surgimento da SARS em região com sistema ativo de vigilância contra a gripe favoreceu a sua identificação precoce. Novas doenças podem surgir em qualquer parte do globo. O homem deve estar atento a isto!
 
 
 
Referências Bibliográficas
 
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