Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

22/06/2011 23:05

FUNDAÇÃO DA FACULDADE DE MEDICINA DA UFRGS

                                                                                    Paulo Roberto Ferrari Mosca*
 
            Qüim qüim qüim quiririm qüim qüérum (4 x);   Oh Nicodemo [idem],  Oh Jalaô [idem],
            Oh Nicodemo  Jalaô  oba, oba  oba  oba  oba,  oba  oba   oba  oba; e o esqueleto  [idem]
            da Faculdade [idem], ‘tava guardado em  creolina, creolina, creolina, creolina, creolina;
            mas acordou [idem], e gargalhou [qua qua qua qua], e a  maior é a Medicina,  Medicina
            papa-fina, não é coisa prá menina, e a maior é a Medicina!
            Antigo hino dos bixos da Faculdade de Medicina
 
            A Faculdade de Medicina foi fundada oficialmente em 25 de julho de 1898. Mas olhemos brevemente para os contextos sanitário, econômico, político, social, e jurídico para a sua fundação e depois para a história da faculdade até os anos 30.
 
            1. Voltemos ao início do século XIX; em Porto Alegre, com cerca de 4 mil habitantes, o exercício profissional dos médicos diplomados era feito basicamente na casa dos doentes e, no que diz respeito ao contexto sanitário, ocorria uma lenta passagem das estruturas sanitárias voltadas para uso dos militares para as estruturas voltadas para civis. Há o registro de  uma enfermaria no Alto da Bronze, da qual se tem poucas informações; mas, em 1803, começa a implantação da Santa Casa,  a partir de um pedido de licença obtido em Lisboa, junto ao rei Dom João, pelo bural da ordem terceira de São Francisco, Joaquim Francisco de Livramento, e da atuação posterior do governador da província Paulo da Gama. As acomodações iniciais da Santa Casa eram modestas, servindo no início mais como enfermaria militar e só depois começando a atender presos e civis pobres; em 1825/26, aceleram-se as obras do novo hospital, mas o atendimento médico era precário: havia só um prático (sem diploma), sendo um médico chamado para atender emergências; a primeira contratação de um médico só ocorre em 1829. Em 1856/57 graça uma epidemia de cólera na cidade onde morrem 1405 pessoas, sendo que só existiam na Santa Casa cinco enfermarias (uma para homens, uma para senhoras, uma para menores, uma para sócios da Sociedade Portuguesa de Beneficiência e outra para presos civis pobres). De um modo geral, pode ser dito que até 1857, a Santa Casa realizou mais assistência social do que terapia médica. Mas o final do século XIX vê algumas mudanças: em 1871, embora já houvessem 773 internados, a Santa Casa só tinha três médicos contratados com modestos salários. Ao nível do confronto das teorias médicas, deve ser ressaltado que em 1882 a homeopatia é banida da Santa Casa a partir do confronto entre um médico alopata e um homeopata. Nos anos 90, há aumento do número de enfermarias que chegam a albergar cerca de mil doentes, há ampliação do corpo médico e introdução da enfermagem à base das irmãs franciscanas; alguns conflitos entre médicos e irmãs aí se estabelecem envolvendo as más condições de higiene e a prática das irmãs de obrigarem doentes a se confessarem. Ou seja: em Porto Alegre, os lentos processos de racionalização administrativa, de socialização de serviços públicos, de incorporação das camadas proletárias (junto com a abolição da escravatura) e de igualdade das crença religiosas vão sendo incorporados à prática pública e se manifestam, na vida da Santa Casa, pela transformação de uma instituição assistencial social numa instituição terapêutica médica em busca de uma racionalidade científica aos moldes da medicina européia.
 
Dentro deste mesmo movimento de racionalização da prática médica, em 1884, começa a ser construído o Hospício São Pedro para albergar doentes mentais, de início como uma fundação privada, sendo o hospital depois assumido pelo governo estadual; será seu diretor, em 1908, o médico Dioclécio Pereira, o qual abrirá o hospício ao ensino de clínica psiquiátrica (aí se formaram várias gerações de psiquiatras). Por outro lado, o Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre é fundado em 1898; sua primeira sede foi junto à prefeitura, depois se espalhando pela cidade, com sedes próximas a postos policiais, Esta associação parece ter se justificado pela concepção de que isto favorecia o atendimento de urgências: o atendimento envolvia uma carroça puxada a burros. O início da centralização do Pronto Socorro, na rua José Montaury, só vai ocorrer em 1925, sendo depois transferido para a Coronel Vicente com Manoel Pereira; só em 1944 ganhará forma o projeto da sede atual. Assim, no final do século XIX, as saúde passava por um processo de racionalização e de institucionalização pública., condição esta que favorecia o surgimento de uma faculdade de medicina.
 
2. Olhando para o contexto econômico e político, pode ser observado que a economia estadual, embora ainda baseada na pecuária, já mostrava um ideário de modernização econômica com a metabolização lenta dos 300 anos da escravidão e a busca de inserção nos ganhos do capitalismo; ressalte-se, neste processo, a vinda dos imigrantes alemães (após 1824) e italianos (após 1875), fazendo com que no comércio colonial surgisse uma acumulação emergente de capital, paralela ao poder dos pecuaristas. Na política, apareciam claramente os grupos positivistas do PRR, que governará o Estado a partir de 1889 nos moldes do castilhismo, seguido, depois pelos dois períodos do borgismo (1903 a 1908 e 1913 a 1923), tendo como ideário uma república autônoma em relação ao governo federal e centralizada localmente, para promoção do progresso econômico e manutenção da ordem social.
 
Quanto a Porto Alegre, seu desenvolvimento econômico estava atrelado ao seu porto e à imigração, já havendo fábricas, bancos, casas comerciais; a Rua da Praia tinha casa  de comércio, vitrines, cafés e livrarias;  haviam os prados nas avenidas Duque de Caxias e Independência, as mansões no caminho que ia para os Moinhos de Vento,  as casas da elite na Treze de Maio (hoje Getúlio Vargas), mas a cidade comportava muitos egressos da escravidão, aglomerados em pobres moradias nos becos da zona central, na “Colônia Africana” (no atual Bairro Rio Branco) e no Arraial da Baronesa; fábricas com trabalho operário haviam no Caminho Novo (Voluntários da Pátria) e no bairro Floresta, com os araiais dos Navegantes e São João. Em 1890, Porto Alegre comportava 52 mil habitantes e 37 médicos diplomados, poucas ruas pavimentadas, mas já tinha serviços de água, esgotos e transporte coletivo.
 
            Começa a aparecer uma estruturação interna de algumas categorias profissionais de cunho liberal. Um fator externo para esta estruturação é a não aceitação por vários profissionais liberais, formados nas faculdades do Império ou da recém fundada República, que exerciam suas atividades no Estado, da liberdade profissional permitida pela Constituição Estadual de 1891. Assim buscando organizar os médicos e enfrentar, de certa forma, o estamento estadual, em 1889 é fundada a Sociedade Médico Cirúrgica Rio-Grandense e, em 1892, os médicos de Porto Alegre, liderados por Rodrigo de Azambuja Villanova, decidem organizar um grupo associativo, destinado a opor resistência à liberdade profissional, fundando, num salão da Santa Casa, a Sociedade Médica de Porto Alegre; a primeira diretoria desta última envolveu, além de Rodrigues Villanova (que morre em 24.10.1898), Dioclécio Pereira da Silva, Olympio Olinto de Oliveira, João Carlos Ferreira, Carlos Frederico Nabuco e Victor de Brito. Rodrigues Villanova ocupou o cargo de Diretor-Geral da Instrução Pública do governo da Província de 1875 a 1878 e foi vinculado ao partido conservador, morrendo 24.10.1898.
 
Ao par disso, um grupo de farmacêuticos, proprietários de farmácias e drogarias de Porto Alegre, também se organizam em defesa de sua categoria, a partir da fundação da União Farmacêutica em 16.09.1894, tendo também a intenção de criar um curso livre de farmácia. Esta iniciativa dos farmacêuticos vai receber apoio do governo estadual castilhista e, em 1895, o Inspetor de Instrução Pública oferece para sede da escola duas salas no edifício da Escola Normal Atheneu (esquina da Duque de Caxias com Bragança, atual Marechal Floriano), autorizando o funcionamento do curso; ou seja: a liberalização das atividades profissionais não impede o positivismo político de estimular o aperfeiçoamento destas atividades profissionais, havendo um pano de fundo de construção racionalista de uma forma capitalista e liberal de sociedade.
 
Em 29.09.1895 é constituída a Congregação e oficialmente fundada a Escola Livre de Farmácia e de Química Industrial de Porto Alegre, com Alfredo Leal à frente. Outros associados foram Arlindo Caminha, Carvalho de Freitas, João Daudt Filho e Christiano Fischer. Mas a vida da escola não é fácil: em 1896 a escola não funciona por falta de alunos; em 1897 recebe vinte contos de réis do governo estadual e começa a funcionar a primeira série com 35 alunos; ela constitui sua biblioteca com recursos de quermesses organizadas pela União Farmacêutica. Nela, só duas pessoas eram assalariadas: o porteiro e um ajudante preparador de química mineral. Deve ser ressaltado que a base do ensino envolvia a experimentação em laboratórios, sendo que estes eram cedidos pelo governo estadual. A busca do progresso científico pode ser evidenciada pelas discussões internas sobre a necessidade de um laboratório de bacteriologia e da compra de microscópio, autoclave e estufa: a escola assim estava aberta aos progressos científicos da Europa. Em 1898 a escola tinha 35 alunos que pagavam 200 mil réis por ano e 10 professores sem remuneração; o patrimônio material da escola era expressivamente superior às demais escolas de farmácia do País, principalmente nas cadeiras ligadas aos laboratórios (Ata número 16 da Congregação da Escola de Farmácia, palavra de Alfredo Leal).
 
            Quanto à área médica (pelas regras do governo estadual, só os diplomados poderiam ser chamados de doutores), em 1896 havia 66 não diplomados inscritos junto ao governo estadual para clinicar e só 10 diplomados médicos, sendo 5 diplomados em faculdades estrangeiras. Nos anos seguintes cresce o número de diplomados em faculdades estrangeiras devido à liberação de provas e de validação dos diplomas pelo governo estadual; o número de médicos diplomados inscritos continua pequeno. Ou seja: a norma estadual de registro para exercer a atividade de “médico” é pouco cumprida na prática, sendo que qualquer um exercia a medicina como bem entendesse (como se registra no IX Congresso Médico Brasileiro realizado em Porto Alegre em 1926). Isto permitia a prática de vários tipos de “medicina”.
 
            3. Olhemos agora para o estamento jurídico sob o qual surgiu a nova faculdade. Deve ser lembrado aqui que, nas raízes do ensino superior brasileiro vai aparecer uma orientação profissional dos cursos (com realce para o ensino médico, vide o caso da Bahia e o do Rio de Janeiro). A assertiva sobre a importância do ensino médico na gênese do ensino superior brasileiro não pode obscurecer a natureza precária do ensino na Bahia e no Rio de Janeiro, escolas criadas pelos decretos reais de 1808 e que funcionaram só após 1815: o curso médico bahiano começa só com duas cadeiras e, nas duas faculdades, o curso começa com cadeiras isoladas, só posteriormente havendo propriamente a constituição de um curso completo. Mas sobre esta universidade incipiente vai se estabelecer uma formalização jurídica que se configura como controle burocrático do governo federal, expresso pelo caráter detalhista das normas iniciais e suas freqüentes modificações; em geral é dito que esta postura estatal tem raízes no modelo português de Estado e que ela foi feita para controlar a prática profissional de baixo nível que existia no Brasil; a segunda razão é duvidosa, mas deve ser registrado que as cartas régias não autorizavam os egressos dos cursos da Bahia e do Rio de Janeiro a atuarem como médico, privilégio dos formados em Coimbra: seus alunos eram tratados como cirurgião-formado e cirurgião-aprovado e só poderiam exercer a função de médicos onde estes não existissem, sendo-lhes proibido administrar medicamentos e tratar moléstias interiores. De qualquer forma, frente a esta intervenção do Império e depois do governo federal republicano, a inteligência acadêmica gaúcha mostrará, neste período inicial de geração do ensino superior, não apenas uma cultura institucional de submissão (vista mais claramente, por exemplo, na origem da escola gaúcha de engenharia, fundada em 1896), mas também a da reatividade e até a da resistência antecipativa (mais presentes na origem da escola médica gaúcha); já no período de federalização da universidade (1930) prevalecerá a dependência ao formalismo, em especial o federal.
 
Olhando mais de perto o caso da constituição da Faculdade de Medicina de Porto Alegre, devem ser levadas em conta as sucessivas normatizações federais que se configuram como “reformas do ensino”, instituídas através de instruções e decretos expedidos em 1813, 1854, 1879, 1891, 1892, 1901, 1911, 1915, 1920, 1925, 1930, 1932, 1934, 1935, 1936, 1937, 1939, 1940, etc. Com a declaração da Independência (1822) e o surgimento da Assembléia Constituinte surge a norma de que todo cidadão poderia abrir escola de instrução; mas esta liberalização será corrigida em 1826, que normatiza que só os diretores das escolas bahiana e carioca passariam a expedir diplomas para cirurgião (cirurgião-aprovado) e para cirurgião médico (cirurgião formado). A isso vai se seguir várias reformas sobre o funcionamento do ensino médico, como por exemplo tempo do curso em 6 anos, criação de cátedras, exigência de exames preparatórios (latim, francês, inglês, filosofia, aritmética, geometria) para a matrícula, necessidade de defesa de tese, obrigatoriedade de freqüência, modos de nomeação do Diretor, inspeção dos Ministérios e do Presidente da Província (introduzindo a burocracia local), etc. A reforma de 1854 restringe a orientação liberal da reforma de 1832, explicitando penas, reduzindo a autonomia dos cursos, determinando a instalação de laboratórios, gabinetes, maternidades e anfiteatros, instituindo inspeções federais e estaduais (provinciais). A reforma de 1879 constitui-se no marco inicial de uma sucessão de leis e decretos que vão até 1884, mostrando uma postura mais liberal, permitindo a associação de particulares para a fundação de cursos superiores, introduzindo a discussão da liberdade do ensino; mas há exigências sobre número de cadeiras (26) e de laboratórios (14), bem como a permissão para formação de mulheres e a instituição do curso de odontologia. Já pela reforma de 1891, as instituições de ensino médico devem se chamar Faculdade de Medicina e Farmácia, há elevação do número de cadeiras e obrigatoriedade da freqüência; essa reforma é completada pelo decreto de 1892 sobre as escolas médicas.
 
No período imediatamente posterior à fundação da Faculdade de Medicina de Porto Alegre, este processo intervencionista federal irá se manter. Assim a reforma de 1901 irá instituir o nome Faculdade de Medicina (em vez de Medicina e Farmácia), suprimir várias cadeiras e renovar a obrigatoriedade da freqüência, o que trará contratempos para a nascente Faculdade; a de 1911, baseada no ensino alemão, privilegiará a autonomia e a desoficialização, mas a de 1915 restabelecerá a intervenção federal, instituindo formas de ingresso, exames por série e o final, etc., sendo que a de 1925 diminuirá o número de cadeiras. Deve ser apontado que o ensino superior oficial abrangia até então apenas os cursos de medicina, farmácia, odontologia, direito e engenharia. Todas estas reformas irão afetar decisivamente a gênese da escola médica gaúcha, acarretando um vai e vem de modificações na administração e no curso médico. A atuação dos fundadores da Faculdade (bem como de sua reatividade à intervenção federal e local) será contada na seção seguinte.
 
4. No que diz respeito especificamente à construção histórica da Faculdade de Medicina de Porto Alegre, um movimento social importante ocorre em 1897, quando alguns médicos, tendo à frente Protásio Alves, Sebastião Leão e Dioclecio Pereira, fundam um Curso de Partos, sob a direção do primeiro, para formar parteiras, usando as dependências da Santa Casa. O objetivo expresso por estes médicos era o de diminuir o elevado número de mortes durante os partos. Protásio Alves tinha laços fraternos com os positivistas do governo estadual, sendo Diretor de Higiene; ele apresenta à Congregação da Escola de Farmácia a proposta de criar uma faculdade, este movimento se inserindo no processo de racionalização profissional antes referido.
 
Após rápidas conversações com os professores da já existente Escola de Farmácia, em 25.07.1898, segunda-feira, às 19 horas, na secretaria da mesma Escola, ocorre a sessão que irá fundir o curso de farmácia e o supra-referido curso de partos, criando-se formalmente a Faculdade de Medicina e Farmácia de Porto Alegre, com Protásio Alves como Diretor e Alfredo Leal como Vice. Os alunos da Escola de Farmácia aprovam o evento, colorindo o céu porto-alegrense com fogos-de-bengala na noite subseqüente ao da sua fundação. A Faculdade é saudada também por Júlio de Castilhos (numa carta a Protásio Alves, publicada em 22 de agosto e em 24 de setembro no jornal “A Federação”); mas não só isso: o governo estadual apoia materialmente a iniciativa cedendo quatro salas dos porões do Liceu Dom Afonso, onde funcionava a Escola Normal Atheneu, na Ladeira do Liceu (esquina da Duque com Marechal Floriano, onde hoje está o Colégio Sevigné), sendo que em 1899 a Faculdade sai deste porão para o andar térreo do mesmo prédio. Já em outubro de 1898, inclui-se (por sugestão do cirurgião dentista Henrique Riedel) o curso de odontologia como anexo à Faculdade.
 
A constituição da nova faculdade irá trazer problemas para o reconhecimento do curso de farmácia (formalizado em 13.10.1898) pelo governo federal, fundamentalmente porque a instituição mudara de nome após a solicitação feita ao governo brasileiro e devido também, ao que parece, a desavenças leves (informações desencontradas) entre o governo estadual gaúcho e o governo federal. Isto só vai se resolver em 1900 pelo reconhecimento da Faculdade de Medicina e de Farmácia de Porto Alegre, equiparando-a às instituições congêneres oficiais através do Decreto número 3758 de 01.09.1900.
 
            A faculdade começa a funcionar em 15.03.1899, com 77 alunos: 41 em farmácia, 18 em medicina, 5 no curso de partos e 3 em odontologia. No que se refere a sua estrutura acadêmica interna, para ingresso no curso médico, as normas internas da faculdade exigiam a aprovação nos exames de Português, Latim, História, Geografia, Aritmética e Álgebra, Geometria e Trigonometria, Física, Química, História Natural e uma língua estrangeira (Francês, Inglês ou Alemão), sendo que para colar grau era necessária uma tese defendida perante uma banca argüidora. Em 1889 funcionará a primeira série dos cursos de medicina, farmácia, odontologia e partos, a segunda série de farmácia e partos e a terceira série de farmácia; deve ser realçado que a formação de parteiras continuará, convivendo com os cursos de orientação profissional superior (na terminologia atual); este tipo de convivência também existirá na constituição da escola gaúcha de engenharia. O corpo docente da Faculdade de Medicina e Farmácia envolvia catedráticos, substitutos e preparadores diretamente vinculados à faculdade; entre os lentes, Alfredo Leal, Arlindo Caminha, Carvalho de Freitas, Silva Pereira, Christiano Fischer, Dioclecio Pereira, Dias Campos, Diogo Ferrás, Francisco Rocha, João Daudt Filho, Protásio Alves, Sebastião Leão, Serapião Mariante e Carlos Nabuco. Nos anos seguintes ao da criação da Faculdade de Medicina, há a inclusão de matérias como Bacteriologia e Química Biológica, inexistentes nas faculdades imperiais do Rio de Janeiro e da Bahia; a primeira disciplina só veio a integrar os cursos oficiais calcados em cadeiras isoladas na Reforma do Ensino de 1901 e a segunda só em 1926. Nos laboratórios da Faculdade de Porto Alegre ensinava-se física, química mineral, orgânica e biológica, bacteriologia, terapêutica, química analítica, toxicologia, farmacologia e histologia; as cadeiras do curso de partos ocorriam na Santa Casa e a anatomia era ministrada, com a maior discrição, no necrotério da Santa Casa, num prédio próximo à Escola de Engenharia.
 
            O currículo do curso de medicina envolvia então física experimental, química mineral, princípios de mineralogia, botânica e zoologia (no primeiro semestre), anatomia descritiva, histologia, química orgânica e bacteriologia (no segundo semestre), fisiologia, patologia geral, anatomia e fisiologia patológicas e química orgânica (no segundo ano), patologia médica, patologia cirúrgica, terapêutica, farmacologia e arte de formular (no terceiro ano), operações e aparelhos, anatomia médica cirúrgica, obstetrícia e clínica propedêutica (no quarto ano), higiene, medicina legal, química analítica e toxicologia, clínica obstétrica e ginecológica, clínica cirúrgica 1 e 2, e clínica médica 1 e 2 (no quinto ano), clínica oftalmológica, clínica pediátrica e clínica psiquiátrica e moléstias nervosas (no sexto ano); ao nível objetivo, tirante as enfermarias da Santa Casa e os laboratórios já referidos, as salas de aula da Escola Normal eram insuficientes e os professores precisavam abrir mãos de seus salários. Este tipo de currículo mostra o esforço para uma aproximação à ciência médica européia, em especial à medicina francesa (o que se insere na modernização capitalista do Estado e no ideal positivista sobre as técnicas e a sociedade), bem como a necessidade de se adaptar à legislação federal para legitimação de uma das finalidades da faculdade (formar doutores), porque,  diferentemente das duas faculdades mais antigas (Bahia e Rio de Janeiro), a Faculdade de Medicina de Porto Alegre surge quando o País já possuía uma legislação federal sobre o ensino formal, em especial sobre os cursos de medicina. Além disso, ele mostra a utilização plena da infra-estrutura física da Escola de Farmácia (os laboratórios) e das estruturas médicas de então (Santa Casa, Hospício São Pedro), o apoio político e material (infra-estrutura e recursos financeiros) do governo estadual e os esforço dos fundadores.
 
Em 1900, a Faculdade tinha 163 alunos e adquire em 30.04.1900 o primeiro prédio próprio, à rua da Alegria (atual General Vitorino) número 54, funcionando aí até 1924 (depois funcionará aí o Instituto Oswaldo Cruz). No ano seguinte, Diogo Ferrás organiza a biblioteca da Faculdade, mas ela é pequena. A Faculdade promove quermesses e consegue construir um novo edifício na Travessa Dois de Fevereiro (hoje Salgado Filho), nos fundos do prédio da Rua da Alegria. Em 01.09.1900, pelo decreto 3758, é obtida a equiparação da Faculdade às oficiais do país, com o conseqüente reconhecimento dos diplomas de seus formados em toda a República; para tal, o curso médico precisou suprimir várias disciplinas e transformar outras, sendo o curso de farmácia reduzido para dois anos. A Congregação queria resistir a esta intervenção federal, mas os alunos convencem os professores a ceder. Os estudantes, divididos entre castilhistas e federalistas, debatem entre si, cada grupo querendo mostrar sua importância na vitória.
 
Logo após, Alfredo Leal é envolvido na morte de um ex-aluno que o agredira e o esbofeteara; o morto era filho de um deputado estadual castilhista. Alfredo Leal é preso, julgado e absolvido, mas deixa a Faculdade e o Estado.
 
Uma nova reforma do ensino é feita em 1901 devido a novas disposições federais. Em 30.12.1904, a Faculdade forma seus primeiros doze doutores em medicina, com Olympio Olinto de Oliveira como paraninfo, sendo Mário Totta o orador da turma, que refere que a Faculdade ainda não dispunha de livros didáticos nem aparelhos condizentes: os alunos ainda precisam copiar à mão os poucos livros de medicina existentes para poderem estudá-los e o pequeno laboratório da Escola de Farmácia adaptado na Escola Normal não supria sua demanda.
 
            A partir de 1900, a cada reforma do ensino que o governo federal             decretava, a Faculdade era obrigada a reformar seus estatutos e programas para manter a equiparação e o reconhecimento oficial, mas mostrando sempre uma cultura institucional de reatividade, como, por exemplo, a de manter cadeiras com freqüência livre e certos instrumentos normativos (à revelia da reforma de 1911) sobre a estrutura administrativa, chegando até a remeter sugestões e propostas aos governos estadual e federal (reatividade antecipativa). A Direção da Faculdade tentou até construir uma aliança política com as Direções das faculdades da Bahia e do Rio de Janeiro em 1916, no que diz respeito à seriação de disciplinas; neste contexto, certas discussões internas sobre o Estatutos e o Regimento Interno se estenderam por vários anos sem aprovação pelo governo federal (1916 a 1919).
 
            Em 1904 é adquirido um terreno na rua da Cadeia (Travessa Dois de Fevereiro), hoje Salgado Filho, sendo ali construído um prédio com seis salas (bem mais tarde ocupado pelo DAD do Instituto de Artes). Em 1905 é aberto o primeiro concurso para professor, realizado em 05.07.1906, aprovando João Baptista Marques Pereira para a seção de histologia, microbiologia e anatomia patológica; a partir daqui, os catedráticos serão admitidos só por concurso. Até aqui a unidade em torno da Faculdade abafa a manifestação de confrontos internos.
 
            Em 1906, um aluno apresenta uma tese que foi considerada ofensiva pela banca a um professor da Faculdade do Rio de Janeiro e é reprovado; na verdade a reprovação parece ter mais se devido a uma separação entre os borgistas e os federalistas. Os estudantes se revoltam e, nos debates que se seguem, a Congregação, numa votação de 12 contra 6, decide suspender por um ano cem alunos; os alunos interpõem ações judiciais e ao Ministro da Justiça; a instância federal indulta a pena, alguns professores sentem-se desmoralizados e sete deles se afastam, em 1907, entre os quais os fundadores Protásio Alves e Dioclecio Pereira da Silva, na época Diretor e Vice; muitos alunos se posicionam contra a intervenção do governo federal, bem como a maioria da Congregação da Faculdade, entre os quais Sarmento Leite, Serapião Mariante, Freire de Figueiredo, Cruz Masson, Arthur Franco, Frederico Falk, Otavio de Souza, Carlos Wallau, Olintho de Oliveira, Gonçalves Carneiro, Sarmento Barata, Carvalho Freitas, João Dias Campos, Diogo Ferrás e Christiano Fisher, os quatro últimos da farmácia. Dentro deste episódio, em 1907, assume interinamente a Direção Diogo Ferrás que é logo substituído por Serapião Mariante como Diretor e Dias Campos como Vice; mas este último renuncia, sendo eleito no seu lugar Sarmento Leite. Esta sucessão de eventos parece refletir um confronto, até à época, surdo entre duas correntes na Congregação: a que defendia a autonomia da Faculdade e a dos que defendiam o cumprimento das normas federais, a dos castilhistas e a dos federalistas. No saldo interno desses episódios, o afastamento de vários professores compromete o ensino; com isso os doutorandos locais transferem-se para a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, sendo aí aprovados; daí que na turma de 1907 só conste o nome de Eduardo Souza Barcelos, estopim do caso.
 
            Esta seqüência de eventos serve para mostrar a presença de uma diversidade de culturas institucionais em face da ingerência do Estado, culturas estas necessariamente não dominantes na Faculdade, bem como o forte nexo entre essas culturas institucionais e as posições políticas dos grupos inseridos na gênese da Faculdade de Medicina. Deve ser realçado, contudo, que a Faculdade se apresentava como centro de união destes projetos institucionais, na medida em que os vários profissionais que pedem exoneração neste episódio não se inserem na criação de uma nova faculdade patrocinada pelo governo estadual. Numa análise à distância, parece que faltou aos dois grupos, nesta seqüência de eventos, a capacidade de articular forças políticas heterogêneas, na medida em que um grupo continua e o outro se desarticula.
 
Este confronto político com o governo estadual continua, porque em 1907 o Diretor Serapião Mariante e seu Vice Sarmento Leite recusam a matrícula de quatro alunos nomeados pelo governo estadual. Isto determina novas perdas na medida em que professores que exerciam cargos estaduais demitem-se. A partir daí, ainda em 1907, o jornal “A Federação” noticia a constituição de uma Faculdade de Medicina de Porto Alegre Sociedade Anônima com currículo reduzido, mas tal empreendimento parece nunca ter passado das páginas de jornal.  Várias tentativas infrutíferas de criação e implantação de faculdades de medicina, sob tutela borgista, irão se suceder, sendo que as faculdades que conseguiram ir um pouco além do papel (como a Escola Médico-Cirúrgica) não conseguiram formar nenhum médico. Esta crise com o governo estadual se aplaca temporariamente com a subida ao governo estadual, em 1908, de Carlos Barbosa, professor honorário da Faculdade e que terá o poder estadual até 1913, sendo substituído aí por Borges de Medeiros.
 
Mas apesar desses problemas, o crescimento da Faculdade ocorre. Em 1908 vários concursos para professor catedrático são realizados e, em 1909/1910, a Faculdade consegue a doação de um terreno pela Santa Casa, localizado aos fundos, e constrói a suas expensas o Instituto Anatômico, que deveria servir de necrotério para a Santa Casa e de anfiteatro anatômico para a Faculdade; sua inauguração se dá em 25.07.1909 e suas salas homenageavam Vesalius, Morgagni, Sabóia e Bichat, eram bem iluminadas e contavam com mesas de louça preta. Aí serão ensinadas anatomia humana e patológica, medicina legal, anatomia cirúrgica e operações. Em 1921, o prédio ganhará mais um piso para o ensino de técnica operatória e de cirurgia experimental; hoje ele não mais existe. No início, os alunos contavam com 80 a 120 cadáveres por ano de pessoas que morriam na Santa Casa e cujos corpos não eram reclamados. Só em 1953 será inaugurado, numa ala do novo prédio da Faculdade, o Instituto de Anatomia, na hoje rua Sarmento Leite.
 
Em 1910, Porto Alegre tinha oficialmente cerca de 115 mil habitantes, não havia médicos especialistas propriamente ditos, sendo que os médicos atendiam mais em casa do que nos consultórios; praticamente não havia exames laboratoriais. As cirurgias se limitavam à traumatologia e a casos urgentes. A maternidade era destinada às mães indigentes, a mortalidade infantil era grande; pneumonia, difteria e doenças infecciosas (como a tuberculose) eram causas freqüentes de morte. Mas isso começa a mudar porque em 1910 a Faculdade aluga um prédio na praça Dom Feliciano número 6, para funcionamento do Instituto Pasteur, para tratamento gratuito às vítimas de animais hidrofóbicos (em 1932, na federalização da Faculdade, este instituto ficará a cargo do governo estadual). E em 25.07.1911 é instalado o Instituto Oswaldo Cruz no prédio da rua General Vitorino número 2 para realização de exames sorológicos e bacteriológicos, solicitados pelo serviço clínico da Faculdade; aí se fazia a Reação de Wasserman. Neste prédio funcionaram os laboratórios das cadeiras de Química Fisiológica, Patologia Geral e Anatomia e Fisiologia Patológicas, onde eram atendidos de graça pacientes da Santa Casa e da Casa de Correção. Ele era dirigido pela Faculdade e mantido pelo Estado, comportando isso um contrato.
 
            O exame das Atas da Congregação da Faculdade de Medicina mostra que ela recebia, até então, verbas dos governos municipal, estadual e federal e também de intendências do interior; havia também verbas vindas de taxas de matrícula, de exames, de certificados, de transferências e de diplomas, bem como do gabinete de odontologia e de juros sobre investimentos bancários. Além disso, o Instituto Pasteur e o Oswaldo Cruz, anexos à faculdade, recebiam verbas dos governos estadual e municipal, de diversas intendências e de donativos, constituindo-se posteriormente como fontes de recursos; mas até 1910, a escola ainda não pagava diretamente salários aos professores.
 
Em virtude da Lei Rivadávia, em 1911, o nome da faculdade muda de Faculdade Livre de Medicina e Farmácia de Porto Alegre para Faculdade Livre de Medicina de Porto Alegre, permanecendo o curso de farmácia como integrante da faculdade até 1949, quando se tornou autônomo pela Lei de 28.12.1949 (tendo o Decreto 30943 de 05.06.1952 permitido sua organização como Unidade Técnico-Administrativa). Pela liberalização permitida pela Lei Rivadávia, a faculdade cria novas cadeiras e os cursos de farmácia e de odontologia ganham mais um ano cada. Mas, em 1915, uma nova lei leva a uma reorganização retroativa do curso médico.
 
            A discussão sobre a sede da Faculdade aparece já aquando de sua fundação, tendo uma pedra fundamental sido lançada em local próximo ao Instituto Parobé em 21.09.1911; mas em 02.07.1913 esta pedra será transportada para um local mais próximo ao atual Parque Farroupilha, no terreno onde se construirá o belo edifício ainda existente na atual rua Sarmento Leite. A construção deste edifício carreará todos os recursos financeiros da Faculdade, sendo que as verbas externas (principalmente do governo estadual borgista) escasseiam devido à eclosão da Primeira Guerra Mundial e às dificuldades financeiras do País. Em 1914, 22 concluíram o curso de medicina, 2 o de odontologia e nenhum  os de farmácia e o de partos, havendo 203 matriculados para o curso de medicina, 8 para o de farmácia, 12 para o de odontologia e 6 para o de partos. Em 1915 assume como Diretor da Faculdade de Medicina Sarmento Leite; os tempos são difíceis e a Lei Maxiliano, em 1916, promoverá novas normas para equiparação às faculdades oficias; a nova equiparação se dá em 01.03.1906.
 
Em 1918, o curso médico envolvia física médica, química médica, histologia natural médica e histologia (citologia) e embriologia I na primeira série; anatomia descritiva I (osteologia, artrologia, miologia, angiologia), histologia e embriologia II, fisiologia I na segunda série; na terceira série havia anatomia descritiva II (neurologia, esplancnologia, órgãos dos sentidos), fisiologia II, microbiologia, clínica propedêutica médica, clínica propedêutica cirúrgica; a 4ª série compreendia patologia geral, anatomia e fisiologia patológicas, farmacologia e arte de formular, patologia cirúrgica, clínica dermatológica e sifiligráfica, clínica oftalmológica, clínica médica e clínica cirúrgica; a 5ª série tinha anatomia médico-cirúrgica e operações, terapêutica, patologia médica I, clínica cirúrgica, clínica pediátrica médica e higiene infantil, clínica pediátrica cirúrgica e ortopedia, clínica otorrinolaringológica e clínica médica; a 6ª série envolvia higiene, medicina legal, patologia médica II, clínica médica, clínica obstétrica, clínica ginecológica, clínica neurológica e clínica psiquiátrica.
 
A construção da nova sede só será retomada em 1919, sob a gestão de Sarmento Leite, sendo inaugurada em 31.03.1924 um prédio baseado no Palácio de Budapeste, com linhas neo-barrocas e elementos art-nouveau. O cajado e a serpente estarão nas portas, nos gessos, na mesa do Salão Nobre e na escadaria de mármore. Em 1937, na gestão de Guerra Blesmann, neste prédio será construída uma nova ala de três pavimentos albergando a medicina legal, laboratórios de física, farmacologia, parasitologia e a sede do Centro Acadêmico. A faculdade funcionou aí até 1974, chegando a uma configuração onde os estudos de anatomia, de histologia e de anatomia patológica estavam no primeiro andar, a sede administrativa, a biblioteca, o centro acadêmico e salas de aula no segundo andar, a fisiologia, a bioquímica, a biofísica, a farmacologia e a parasitologia no andar superior, ficando a microbiologia ao fundo do segundo andar; pode-se observar a lógica das instalações com as associações primeiro andar (porão)-morte, segundo andar-vida, terceiro andar-transição para a clínica, sendo que, quem entrasse pela porta da frente, passaria entre dois cubos e duas colunas, ascendendo, por escadas de granito ao saguão, no segundo andar, com placas homenageando vários médicos; neste saguão teria à sua visão, ao alto e no fundo, o cajado e a serpente sobre vidro. Em 1925 é aprovada uma nova reforma do ensino, sendo diplomados 9 médicos; de 1899 a 1925 a Faculdade formou 292 médicos, 22 parteiras, 187 odontólogos e 184 farmacêuticos, mas o número de ingressantes que não concluem cursos é muito grande.
 
            Em 1926, Porto Alegre sedia o IX Congresso Brasileiro de Medicina, atestando a importância nacional da medicina gaúcha. Em 1928, Getúlio Vargas toma posse na Presidência do Estado no Salão Nobre da Faculdade de Medicina. Em 17.10.1931 há federalização da Faculdade sem ônus para o governo federal. Em 1931, o curso médico, devido ás reformas de 1925 e de 1931, compreende física média, biologia geral e parasitologia, química geral e mineral, anatomia I e II, histologia e embriologia na primeira série; química orgânica e biológica, histologia e embriologia II, anatomia II, fisiologia I e II na 2ª série; farmacologia, patologia geral, microbiologia, fisiologia II na 3ª série; clínica médica propedêutica, anatomia e fisiologia patológica, patologia médica (facultativa), medicina operatória, técnica operatória e cirurgia experimental, clínica dermatológica e sifiligráfica, clínica otorrinolaringológica e clínica cirúrgica II na 4ª série; medicina legal, higiene, terapêutica clínica, medicina tropical, clínica das doenças tropicais e infecciosas, patologia cirúrgica (facultativa), clínica cirúrgica I e II, clínica médica II, III e IV, clínica urológica na 5ª série; clínica pediátrica médica e higiene infantil, clínica pediátrica cirúrgica e ortopedia, clínica obstétrica, clínica ginecológica, clínica neurológica, clínica psiquiátrica, clínica médica I e II (facultativas), clínica oftalmológica, radiologia clínica (facultativa para os alunos da quinta e sexta séries); os cursos de odontologia e de farmácia não funcionavam por falta de alunos, sendo desativados. A biblioteca comportava então 8548 obras, sendo 3290 de medicina, 2965 revistas e 2507 diversas. O Instituto Anatômico utilizava 71 cadáveres em 1931, atingindo 2040 cadáveres desde a sua fundação; 92 encéfalos serviam para estudos e exames; o Instituto Pasteur funcionava a contento.
 
Em 1932 o governo federal regulamenta a profissão de médico, tornando o charlatanismo um caso de polícia em 1938.   Em 28.11.1934, a Universidade de Porto Alegre é constituída oficialmente reunindo a Faculdade de Direito (com sua Escola do Comércio), a Escola de Engenharia, a Escola de Agronomia e Veterinária, a Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras, o Instituto de Belas Artes e a Faculdade de Medicina (com suas escolas de Odontologia e Farmácia). Em 1935, o curso médico compreendia anatomia e histologia e embriologia geral no 1° ano; física biológica, química fisiológica e fisiologia no 2° ano; microbiologia, patologia geral, parasitologia e farmacologia no 3° ano; anatomia e fisiologia patológicas, técnica operatória e cirurgia experimental clínica propedêutica médica, clínica dermatológica e sifilográfica, clínica otorrinolaringológica e clínica propedêutica cirúrgica no 4° ano; higiene, medicina legal, clínica cirúrgica I e II, clínica de doenças tropicais e infecciosas, terapêutica clínica, clínica médica I e IV, clínica urológica no 5° ano; clínica médica II e III, clínica obstétrica, clínica pediátrica médica e higiene infantil, clínica oftalmológica, clínica ginecológica, clínica neurológica, clínica cirúrgica infantil e ortopedia e clínica psiquiátrica no 6° ano, com pequenas modificações em relação ao currículo de 1925. A biblioteca recebera mais 296 obras, contando com 742 fascículos de 64 revistas assinadas pela Faculdade; foram recebidas como doações 1439 revistas, 80 teses e 93 livros. O Instituto Anatômico (agora Sarmento Leite) utilizava 93 cadáveres e 106 encéfalos.
 
O Instituto Oswaldo Cruz tinha uma seção de microbiologia onde se realizava em escarro a pesquisa do bacilo de Koch;  no pus, do gonococo, do Treponema pallidum, do coco-bacilo de Ducrey-Umma e a vacina autógena; havia cultural de esperma e reação de Vidal, hemocultura e soro aglutinação de Wreight no sangue; pesquisa do bacilo diftérico o de Vincent no exsudado amigdaliano; exame bacteriológico  do líquido pleural; na urina, pesquisa de BAAR e inoculação em cobaias; pesquisa de “bacilos disentéricos” nas fezes; do bacilo de Hansen no muco nasal; do bacilo de Koch no líqüor e inoculação em cobaia; exame bacteriológico do líquido ascítico. A seção de histologia patológica realizava exame de tumores, apêndice, fragmentos teciduais, gânglios, órgãos e materiais de órgãos, num total de 95 exames no ano. Na citologia, o Instituto realizava pesquisa de lipóides, prova de Aschein-Zondech e de sedimento urinário na urina; exame citológico do líquido pleural, ascítico e gástrico, no escarro e no pus. A seção de química do laboratório Central das Clínicas realizava exame de urina com exame comum, pesquisa e dosagem de albumina e glicose, crioscopia, dosagem de creatinina e acetona, diazo-reação de Ehrlich, pesquisa de densidade, dosagem de uréia, cloretos, fosfatos e ácido úrico, provas de eliminação de água, de concentração máxima, de eliminação do azul de metileno, de fenoftaleína e de índigo carmim; no sangue, dosava uréia, cloretos, cloroglobulina e cloro plasmático, índice de cloro eritroplasmático, dosagem de cloro metaloídico, de creatinina e de glicose, curva glicêmica, dosagem de cálcio, potássio, acetona, fósforo inorgânico e orgânico, azoto residual, ácido úrico, lipóides e colesterol, reação de Van den Beigh, dosagem de bilirrubina direta e indireta, ácido oxálico, proteínas totais, serina, globulina, relação serina/globulina, dosagem de ácidos aminados, carotenos, ácidos graxos, constante lipêmica, reação de Takata-Ara, dosagem de glutatião, índex de icterícia e crioscopia. No suco gástrico, dosagem de HCl livre, de acidez total, mucina, pesquisa de ácidos orgânicos e de sangue; no líquido duodenal, dosagem de sais biliares, bilirrubinas e colesterol e pesquisa de bilirrubina, colesterol e albumina; nas fezes, pesquisa de sangue oculto e reação de Fregersen;  no líquido tumoral, dosagem de albumina, reação de Rivalta e dosagem de cloretos; no escarro, reação de albumina-muco; no líquido pleural reação de Rivalta e dosagem de albumina; no líquido ascítico, reação de Rivalta, dosagem de albumina, uréia, cloretos e densidade. O total de exames em 1935 foi de 20613, sendo 6059 na seção de histologia patológica, 7676 na seção de química, 1435 na de parasitologia, 4251 na hematologia e serologia e 1184 na de microbiologia. Esta lista mostra bem o avanço da medicina porto-alegrense vinculada à Faculdade (os médicos mais antigos reconhecerão aqui nomes de exames hoje em desuso).
 
Em 1935 morre Sarmento Leite. A incorporação oficial da Faculdade de Medicina à Universidade de Porto Alegre (depois Universidade Federal do Rio Grande do Sul) se dá em 10.03.1936, mantendo a Faculdade um hibridismo estadual e federal até a completa federalização em 1950. Em 25.07.1937 há ampliação do prédio da Faculdade na rua Sarmento Leite e em 1938 o governo estadual adquire um terreno que será posteriormente doado à Faculdade, em 08.03.1940, para a construção do Hospital das Clínicas. Isto abrirá um novo ciclo na história da Faculdade de Medicina.
 
 
 

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* Médico, Pediatra, Professor Adjunto IV Doutor do Departamento de Pediatria e Puericultura da Faculdade de Medicina da UFRGS.